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Física na Veia

SBF repudia ataque às ciências humanas e corte de 30% na educação superior

Prof. Dulcidio Braz Júnior

03/05/2019 20h07

A Filosofia ancora a Física! Capa do "Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica" de I. Newton (Fonte: Wikipedia)

 

Postei, recentemente, sobre artigo da SBF – Sociedade Brasileira de Física a respeito da ditadura militar brasileira e da perseguição política a diversos físicos brasileiros.

Admiro bastante a SBF que, ao longo da sua história, vem se consolidando como uma entidade ativa e participativa na vida dos brasileiros. Faço tal afirmação com base em sua postura exemplar de sempre se manifestar oficialmente sobre atos de qualquer governo com o qual ela discorde, especialmente no tocante às áreas da pesquisa científica e da educação, áreas de interesse dos físicos e, portanto, da própria instituição que os representa.

Ontem, 2 de maio de 2019, manifesto da SBF deixa claro o repúdio à postura oficial do governo federal de atacar as ciências humanas (saiba mais sobre os fatos aqui) bem como de cortar 30% da verba destinada às universidades federais (entenda aquiaqui também esta ação oficial do governo). Lamentavelmente, tudo isso tipifica muito bem atos da mais covarde retaliação com base na insana postura ideológica de não aceitar o contraditório. Qualquer cidadão de bem, e que quer de verdade o melhor para o seu país, independentemente de ideologia, não pode ficar calado diante de tal nível de violência à pluralidade de ideias e à nossa sagrada liberdade de pensar livremente, bens dos quais não podemos abrir mão se, de fato, amamos o nosso país e a todos os brasileiros sem vergonhosas exceções avalizadas por rótulos preconceituosos.

Reproduzo a seguir, como importante reflexão neste grave momento da nossa história, a íntegra do manifesto da SBF publicado originalmente neste link. Como professor e humanista, não há como dele discordar! Considero-o irretocável!

 


Sociedade Brasileira de Física repudia ataque às ciências humanas e mais um corte de 30% na educação

O Brasil sem dúvida apresenta muitos problemas, demandando grande esforço conjunto para atingirmos o grau de desenvolvimento humano que nosso povo tanto merece e necessita. Mas apesar de todas as nossas dificuldades e deficiências, vivemos numa sociedade ampla e dinâmica, com claro potencial de crescimento, e que para tal pode contar com diferentes organizações da sociedade civil capacitadas e preocupadas com o desenvolvimento brasileiro. Dentre essas instituições, sem dúvida as universidades, e em especial as universidades públicas, personificam a geração de conhecimento, ideias e análises críticas tão necessárias ao progresso social que almejamos. A própria designação universidade (do latim 'universitas', ou seja, o todo), remete a sua função primordial, que é criar conhecimento e transmiti-lo na forma mais diversa e geral concebível. Isto é justamente a pluralidade que a sociedade tanto precisa, englobando todos os saberes: artísticos, científicos, humanísticos, técnicos, etc.

É dentro deste panorama que a Sociedade Brasileira de Física (SBF) repudia duas posturas recentes do governo federal, totalmente contrárias à maneira correta de melhorarmos a formação, e assim a qualidade de vida, de nossa população. Primeiro com o anúncio (no dia 26 de abril) de estarem sendo realizados "estudos" com o intuito de restringir investimentos em faculdades de Filosofia e Sociologia.  O segundo com a comunicação (no dia 30/04) de que haverá corte de orçamento para todas as instituições federais de ensino (universidade e institutos federais), com o contingenciamento de 30% do valor previsto de repasse para o segundo semestre de 2019.

Por um lado, a Filosofia fundamenta toda e qualquer indagação humana, substanciando o saber, bem como norteando sua busca. Negligenciar o pensamento filosófico em última instância representa negligenciar o próprio domínio do conhecimento pelo indivíduo, seja ele de qualquer especificidade. Por outro lado, o ser humano é uma espécie social por essência, nossos propósitos e anseios passam por vivencia-los em coletividade. Se o objetivo é respeitar o indivíduo, para que o mesmo tenha condições de melhorar a sociedade em sua volta, antes de mais nada precisamos perguntar que sociedade é esta que queremos melhorar, como ela se organiza, como ela evolui. É justamente a Sociologia que busca esse entendimento, que tenta estabelecer os parâmetros relevantes de sua construção, exatamente aqueles que deverão orientar um governo cuja função seja a busca do bem estar geral. Somente uma formação humanista crítica em conjunto com uma formação científico-técnica de qualidade conseguirão promover o aprimoramento de nossos cidadãos, e consequentemente de nosso país. Descartar esta ou aquela área do conhecimento é negar à sociedade seu pleno desenvolvimento.

Se supressão de financiamento em duas áreas tão importantes quanto Filosofia e Sociologia já representam uma tragédia na tentativa de melhorar nossa sociedade, o que dirá o corte drástico nas verbas de todas as instituições federais de ensino superior? Abraham Weintraub, ministro da Educação, declarou em 29/04 que iria cortar verbas de três instituições, Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF), e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), por não apresentarem desempenho acadêmico esperado (apesar das três estarem entre as vinte universidades mais produtivas do país segundo o 'Leiden Ranking', bem como outros institutos de ranqueamento de universidades). O ministro citou "balbúrdia" como qualificativo para tal ação, mas sem explicar o que isso significa. Com a forte repercussão negativa e debaixo de muitas críticas, de maneira ainda mais surpreendente resolveu estender a mencionada redução a todas as instituições federais de ensino superior. Importante lembrar que desde de meados de 2015 as universidades e institutos federais vêm sofrendo sucessivos cortes em seus orçamentos. Isso faz com que tenham que desenvolver suas atividades de ensino, pesquisa e extensão num limite extremo de dificuldades financeiras, porém sempre tentando manter tais atividades com a qualidade necessária e desejada.

O ministro do MEC chegou a mencionar que com o dinheiro gasto com cada aluno de nível superior poderia manter dez vagas em creches. O Brasil necessita das vagas nas universidades públicas bem como precisa das vagas em creches. Não é uma questão de uma possibilidade versus a outra. A questão fundamental é tomar consciência do que é real prioridade em nossa nação. Certamente educação, como saúde, como segurança, como preservação de nossas riquezas e patrimônio ambiental, além de qualificação profissional e trabalho para nossa gente são prioridades. É função de um governo empenhado em construir um futuro melhor privilegiar ações realmente racionais que nos levarão a essa evolução. Isso tudo passa por conhecimento, por análise crítica e por planejamento. Com certeza Filosofia e Sociologia, além de Física e de todas as outras áreas do conhecimento, poderiam mostrar caminhos para equilibrar o orçamento federal, e quais eventuais cortes (partindo do pressuposto de que são realmente necessários) evitariam tirar o Brasil da rota em direção a uma sociedade mais justa e próspera.

Diretoria da Sociedade Brasileira de Física


 

E você, o que pensa sobre tudo isso? Deixe o seu comentário.

 

Abraço do prof. Dulcidio!

Com muita Física na veia, passando sempre pela Filosofia, pela Sociologia, pelas Ciências de todas as cores, e pela Arte!



Já publicado no Física na veia!

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."