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Física na Veia

Ditadura: refletir sempre, comemorar jamais!

Prof. Dulcidio Braz Júnior

31/03/2019 10h56

Físicos perseguidos pela ditadura militar brasileira (Fonte: SBF)

 

Você pode ser de direita. Também pode ser de esquerda. A rigor, você pode ser e pensar o que quiser. E isso vale também e especialmente fora da política. Mas, para garantir o seu direito de ser o que quiser, por saudável reciprocidade, você deve respeitar o outro, por mais diferente e contraditório que ele possa ser. O nome disso é liberdade, algo que nos une, nos soma, e nos faz melhores e mais felizes juntos.

É óbvio que temos uma Constituição para organizar as nossas ações. E isso não nos limita. Muito pelo contrário. Leis, numa sociedade organizada, garantem a liberdade plena de todos o cidadãos.

Liberdade é um bem maior que reconquistamos no Brasil a partir de 1985, fim da ditadura militar no nosso país. Infelizmente, não é uma conquista perene. Todo dia temos que zelar pela sua, pela minha, pela nossa liberdade. Até, quem sabe, um dia em que ser livre de fato seja tão natural quanto respirar oxigênio. Por enquanto, não é.

Hoje, 31 de março de 2019, contrariando a infeliz sugestão do atual presidente do Brasil, não é dia de comemorar. Mas é dia de rememorar o que significou para o Brasil a data de 31 de março de 1964. Foi a partir daí, você sabe, e por longos 21 anos, que vivemos sob um regime autoritário onde a liberdade de ser e pensar nos foi tolhida.

Golpe militar de 64. Lá se vão 55 voltas da Terra ao redor do Sol! E, se alguém disser que os militares extremistas só perseguiram indivíduos de fato "perigosos" para a sociedade, não acredite. Não podemos deixar que o tempo apague a nossa memória. E por isso repito: hoje é dia de rememorar.  É dia de fazer backup de segurança da memória da nossa Nação! E de dizer em voz alta e com todas as letras que, durante a ditadura, bastava alguém pensar, bastava questionar qualquer coisa, e já recebia na testa o rótulo de indivíduo perigoso para o regime!

Dentro desta lógica doentia, de insana ideia fixa de que havia "inimigos da sociedade, da família e dos bons costumes" infiltrados por todos os lados, artistas, intelectuais, professores, e até cientistas foram presos e ameaçados. Muitas sofreram tortura, algo que só uma mente doentia pode defender. Lamentavelmente, muitas pessoas desapareceram.

Este período já foi vivido por nós brasileiros. Passado. Página virada. Lição aprendida, segue a história! Não podemos correr o risco de voltarmos a um regime baseado no autoritarismo. Numa escola você até pode repetir de ano. Mas jamais voltar para uma série anterior. Só quem não tem mínima sanidade mental pode cogitar algo assim.

Para ajudar a todos os brasileiros a não esquecerem o nosso passado e valorizarmos todos juntos, dentro da nossa rica diversidade, cada vez mais o nosso possível melhor futuro, reproduzo a seguir artigo publicado pela SBF – Sociedade Brasileira de Física no último dia 28 de março. O texto fala de físicos perseguidos pela ditadura militar, incluindo o prof. Mario Schenberg, orientador do meu orientador.

E, junto ao texto da SBF, deixo uma reflexão:

O que será de uma sociedade que trata seus legítimos pensadores como inimigos?

 


SBF relembra físicos perseguidos pela ditadura militar de 1964

Nos aproximamos dos 55 anos do golpe militar de 1964, que deu início ao período de 21 anos de ditadura no Brasil. Neste período, os brasileiros foram impedidos de votar e de expressar livremente suas opiniões. Jornais, revistas e artistas foram censurados, e só podiam expressar o que era permitido pelo governo. A tortura era amplamente praticada pelos órgãos de repressão. Centenas de opositores foram assassinados em dependências do Estado, muitos deles jovens e estudantes. Conhecer os momentos sombrios de nossa história é essencial para evitar que se repitam.

A ditadura atingiu também os físicos brasileiros. No ano do golpe, 1964, em São Paulo, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) foi invadida. Mario Schenberg, considerado um dos maiores físicos brasileiro, ficou preso por 50 dias, prisão essa que deslanchou uma série de protestos de cientistas em todo o mundo. Em abril de 1969, com base no AI-5, foram aposentados compulsoriamente 41 professores das universidades. Entre eles, os físicos Mario Schenberg, Elisa Esther Frota Pessoa, Jaime Tiomno, José Leite Lopes, Plínio Sussekind da Rocha, Sarah de Castro Barbosa. Na época, José Leite Lopes era presidente da SBF, em seu segundo mandato. O Boletim da SBF, de novembro de 1969, registrou os protestos internacionais contra as aposentadorias dos físicos brasileiros com manifestações de cerca de dez cientistas premiados com o Nobel, carta da Société Française de Physique e notícias das revistas Nature e Physics Today. Mas isso não demoveu as autoridades.

Defender o livre pensar é dever de toda sociedade científica, pois ele é a base de toda a ciência. A Sociedade Brasileira de Física não pode ficar alheia no momento em que surgem tentativas de reinterpretação do regime militar implantado pelo golpe de 1964, que ignoram os crimes praticados pelo Estado contra a população brasileira e minimizam a ausência de liberdade e democracia durante esse período no Brasil.

Dados mais detalhados dessa história podem ser encontrados em:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252014000400015

 

Diretoria e Conselho da Sociedade Brasileira de Física


 

Abraço do prof. Dulcidio. E Física (com muita liberdade) na veia!


Já publicado no Física na veia!

 

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."