Feliz Ano Novo de 366 dias!
Chegamos ao último dia de 2015 que teve 365 dias. E amanhã começa o ano de 2016 que, por ser bissexto, virá com um dia de brinde! Pode conferir no calendário de 2016: fevereiro terá 29 dias.
Você sabe a razão pela qual alguns anos chamados bissextos têm um dia a mais?
Isso vem da ideia de contar o tempo, o que deu origem aos calendários e passa por muitos detalhes históricos e astronômicos.
Para que o post que já é grande não fique gigante, vou tentar resumir essa fantástica história. Mas, se você quiser aprofundar o tema, indico a leitura das primeiras páginas do excelente livro "Conceitos de Astronomia" do prof. R. Boczko editado pela Edgard Blücher em 1984 e que teve reimpressão em 1998.
Pra começar: o ano solar
Já comentei aqui no blog que o Sol não nasce sempre exatamente no ponto cardeal leste. Isso acontece apenas em dois dias do ano chamados equinócios (de primavera ou de outono). Nos demais dias do ano o Sol nasce cada vez mais deslocado à esquerda (ou ao norte) ou cada vez mais deslocado à direita (ou ao sul) em relação ao ponto cardeal leste.
Quando o Sol nasce em seu máximo afastamento norte temos o solstício de inverno no hemisfério sul (ou de verão no hemisfério norte). Quando o Sol nasce em seu máximo afastamento sul temos o solstício de verão no hemisfério sul (ou de inverno no hemisfério norte).
As simulações abaixo, feitas para latitude/longitude da minha cidade (São João da Boa Vista, interior de São Paulo), mostram o nascer do Sol ao longo de 2015, partindo de 20 de março, um dos equinócios.
20/março/2015 (equinócio de outono)
20/maio/2015
21/junho/2015 (solstício de inverno)
21/agosto/2015
23/setembro/2015 (equinócio de primavera)
21/novembro/2015
22/dezembro/2015 (solstício de verão)
O nascer do Sol, visto da Terra, realiza um movimento aparente de "vai e vem" em torno do ponto cardeal leste. O tempo para que esse movimento se complete é um ciclo (ou ano) solar.
Se começarmos a medir o tempo no início do equinócio de outono de 2015, até o início do equinócio de outono de 2016 teremos exatamente um ano solar pois o Sol terá completado esse movimento de "vai e vem" ao redor do ponto cardeal leste.
IMPORTANTE: a cada ano solar, foi o planeta Terra quem completou uma volta (translação) ao redor do Sol. Certo? Mas, como viajantes fixos na nave Terra, não percebemos esse movimento. O que podemos notar daqui, se formos bons observadores, é exatamente esse movimento aparente anual do Sol nascente em torno do ponto cardeal leste. É possível medir quanto tempo demora esse ciclo, ou seja, encontrar o valor do ano solar.
Uma maneira prática, bastante eficiente e simples de fazer essa medida é usar um gnômon, uma vareta reta que deve ser fixada no solo numa posição vertical exata. Podemos acompanhar a sombra do gnômon ao longo de um ciclo solar inteiro. Se partirmos de um equinócio de outono, por exemplo, saberemos que o ano solar se completou quando, no próximo equinócio de outono, a sombra tiver exatamente a mesma posição e o mesmo comprimento. A medida é demorada. E requer bastante cuidado. Mas não depende de tecnologia avançada. Por isso mesmo foi usada pelos astrônomos antigos com boa precisão nos resultados.
A melhor medida para o ano solar que temos hoje nos revela que ele tem 365,242199 dias. A "sobra" de 0,242199 dias equivale a quase 6h (a rigor são 5h48min46s).
O fato de um ano solar não ter exatamente 365 dias inteiros acarreta um problema prático. Grosseiramente, a cada quatro anos teremos uma defasagem de um dia a mais no calendário pois 4 X 6 = 24h (1 dia). A cada 120 anos a defasagem acumulada será de aproximadamente (120 X 6) / 24 = 720 / 24 = 30 dias, ou seja, praticamente um mês.
Se não houver correção no calendário, levando em conta essa "sobra" de 0,242199 dias (ou 5h48min46s), a data de início das estações do ano vai ficando cada vez mais defasada e, consequentemente, o calendário fica maluco, com as estações do ano deslocadas, acontecendo em dias diferentes dos que estamos acostumados!
O calendário Juliano
No ano de 46 a.C. havia uma defasagem acumulada de 90 dias na data de início da primavera. Para corrigir o problema, o imperador Julio Cesar determinou que aquele ano deveria ter 365 + 90 = 455 dias. E assim foi feito. O problema foi zerado. E foi criado um critério de correção para tentar evitar que o problema se repetisse. Nascia assim o calendário Juliano.
No começo, houve uma certa confusão em sua aplicação. E, como ainda não tinham uma medida tão precisa para o ano solar, criaram uma regra de correção não muito eficiente.
Um ano solar Juliano media "exatamente" 365,25 dias.
Havia, portanto, uma "sobra" redonda de 0,25 dia (1/4 de dia). É mais didático representarmos essa "sobra" como uma fração.
Olhando a expressão acima não é difícil perceber que, para corrigir a defasagem de datas, bastava acrescentar um dia no calendário a cada quatro anos pois, a rigor, dentro do erro da medida da época, a cada ano "sobrava" 1/4 de dia.
Essa é a origem do ano bissexto, com 365 dias + 1 dia (extra) = 366 dias.
Com a correção juliana, o problema da defasagem da data do início das estações foi minimizado, mas não resolvido. A correção, ainda de pouca precisão, fez com que aos poucos a defasagem no início das estações do ano voltasse a aparecer.
O calendário Gregoriano
Em 325 d.C., a Igreja Católica estabeleceu a data de início da primavera como sendo 21 de março. E a partir daí criou o seu calendário próprio de comemorações religiosas, como a Páscoa, por exemplo.
Em 1582, a data de início da primavera, mesmo com as correções de anos bissextos propostas pelo calendário Juliano, já acumulava nova defasagem de 10 dias. Para contornar o problema, o papa Gregório 13 sugeriu que em outubro fossem eliminados esses 10 dias para que, no ano seguinte, a primavera voltasse a ter o seu início no dia 21 de março. Assim foi feito. E o problema da desfasagem de datas foi novamente zerado.
Nessa época já havia uma medida mais precisa para o ano solar que era considerado como tendo 365,2425 dias.
A "sobra" agora era de 0,2425 dia em vez do valor redondo de 0,25 dia previsto pelo calendário Juliano.
Com a nova precisão na medida do ano solar, e auxiliado pelos astrônomos e matemáticos da época, o papa Gregório 13 apresentou uma nova proposta de correção mais eficiente para o calendário. Estava nascendo o calendário Gregoriano.
Mais uma vez apelo para o aspecto didático das frações. Confira abaixo.
Dá para perceber, pelas frações, quais devem ser as correções a serem feitas no calendário, não dá?
Não basta apenas acrescentar 1 dia no calendário a cada 4 anos como previsto pelo calendário Juliano. Isso deveria continuar sendo feito, exceto nos anos múltiplos de 100, anos terminados em 00 (segunda fração acima) mas salvo se esse ano terminado em 00 também fosse múltiplo de 400 (terceira fração acima).
Complicou? De fato, não é nada intuitivo!
Para simplificar, criei um algoritmo que permite organizar melhor o cálculo a ser feito para saber se determinado ano deve ou não ser bissexto. Veja a seguir.
Seguindo os passos do algoritmo acima, podemos testar a regra do anos bissexto para alguns anos. Veja:
2016
É divisível por 4? 2016 / 4 = 504. SIM (o resultado é um número inteiro).
É divisível por 100 (acaba em 00)? NÃO (acaba em 16).
Logo, 2016 será bissexto.
__________________
1900
É divisível por 4? 1900 / 4 = 475. SIM (o resultado é um número inteiro).
É divisível por 100 (acaba em 00)? SIM (acaba em 00).
É divisível por 400 ? 1900 / 400 = 4,75 NÃO (o resultado não é um número inteiro).
Logo, 1900 não foi bissexto.
__________________
2000
É divisível por 4? 2000 / 4 = 500. SIM (o resultado é um número inteiro).
É divisível por 100 (acaba em 00)? SIM (acaba em 00).
É divisível por 400 ? 2000 / 400 = 5 SIM (o resultado é um número inteiro).
Logo, 2000 foi bissexto.
__________________
Observe bem que 2000 foi bissexto embora 1900 não tenha sido. Bem todo ano terminado em 00 é bissexto. E não vale a regra simples de que a cada quatro anos temos um ano bissexto. Certo?
Tem que seguir o algoritmo acima, baseado na reforma gregoriana. Agora que você já sabe como tudo funciona, faça o teste para outros anos.
O calendário Gregoriano Moderno
No Brasil usamos o calendário Gregoriano desde que foi proposto até hoje. E em muitos outros países também usa-se o mesmo calendário, com as mesmas correções vistas acima.
Mas hoje já temos melhor medida para o valor do ano solar, o que estou chamando de ano solar moderno.
Note que a "sobra" agora é de 0,242199 dia. Veja como ela fica expressa em frações.
Pelas três primeiras frações, continuamos a seguir o algoritmo proposto logo acima para saber se um ano deve ou não ser bissexto. Mas perceba que, com uma medida ainda melhor para o ano solar, temos uma quarta fração que sugere uma correção extra a cada 3300 anos.
Essa correção extra ainda não foi feita porque ainda não se passaram 3300 anos depois da reforma gregoriana de 1582. A "encrenca" ficou para o futuro, para quem viver no ano de 4882 (4882 = 1582 + 3300). Espero que a humanidade sobreviva a ela mesma até lá para que essa correção possa ser feita!
______________
Deu para entender porque precisamos dos anos bissextos?
Deu para entender também como encontrá-los, pelo menos até 4882? Espero que sim! Deixe o seu comentário!
FELIZ 2016!
E que o dia extra desse Ano Novo bissexto valha muito a pena de ser vivido, assim como todos os outros 365!
Já publicado no Física na Veia!
- [22/12/2015] Hoje é outro dia do Sol parar
- [24/06/2015] Por que temos quatro estações no ano?
- [21/06/2015] Hoje é dia do Sol parar
- [05/07/2013] Hoje a Terra está mais longe do Sol
- [07/04/2007] Por que a data da Páscoa muda a cada ano?
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