Luz: onda ou partícula?
Prof. Dulcidio Braz Júnior
25/10/2015 20h21
Luz é onda ou partícula?
Se eu disser que luz pode ser as duas coisas, quem não conhece Física Moderna, a Física do século 20, certamente vai achar tudo muito estranho e até mesmo contraditório.
É que na Física Quântica, um dos pilares da Física Moderna, algumas coisas podem se comportar tanto como onda como partícula. É claro que, num primeiro momento, isso é minimamente bizarro. E por isso mesmo esse comportamento dual não foi bem aceito de pronto pelos cientistas. Estamos acostumados com o nosso mundo macroscópico, muito bem descrito pelas Leis da Mecânica newtoniana, onde onda e partícula são coisas bem distintas. Mas no mundo microscópico, onde a Física Quântica funciona muito bem, os objetos estão de acordo com a bem conhecida e aceita Dualidade Onda-Partícula que afirma que uma entidade quântica pode se comportar como onda num experimento e como partícula noutro, sem nenhum problema. A natureza quântica é assim. E pronto.
Então, se alguém perguntar para você se luz é onda ou partícula, responda:
Leia, a seguir, um pouco dessa história que deixou alguns cientistas de cabelo em pé mas que hoje é bem aceita e faz parte do repertório de conhecimento da Física Moderna e Contemporânea.
Maxwell e o Eletromagnetismo (1865)
Em 1865, portanto há 150 anos, James Clerk Maxwell (1831-1879) estava aprofundando seus estudos sobre o Eletromagnetismo. Ele juntou todas as ideias e leis a respeito da eletricidade e do magnetismo que existiam na época e percebeu que havia redundâncias. Talvez fosse possível reduzir toda a Eletricidade e o Magnetismo, agora vistos como uma coisa só e unificada no Eletromagnetismo, em poucas equações.
O trabalho de Maxwell no levou mais adiante a entender que apenas quatro equações (leis) propostas por outros cientistas davam conta de descrever todos os fenômenos elétricos e magnéticos. Essas equações ficaram conhecidas como Equações de Maxwell. Exatamente como na imagem abaixo, é comum apresentá-las como equações diferenciais parciais.
Nas Equações de Maxwell:
- E e B são, respectivamente, o campo elétrico e o campo magnético.
- ρ é a densidade de carga elétrica.
- j é a densidade de corrente elétrica.
- μ e ε são, respectivamente, a permeabilidade magnética e a permissividade elétrica, constantes bastantes conhecidas no Eletromagnetismo.
No vácuo, na ausência de cargas (ρ = 0) e de correntes elétricas (j = 0), as Equações de Maxwell ficam mais simples. Confira.
Uma possível solução das Equações de Maxwell para o vácuo, usando Cálculo Diferencial e Integral, nos leva a concluir que o campo elétrico E e o campo magnético B obedecem às expressões abaixo.
Quem conhece bem o Cálculo Diferencial e Integral e tem bom conhecimento de Física Básica em nível universitário percebe de cara que as possíveis soluções das Equações de Maxwell dadas acima para E e B correspondem à ondas. Se não é o seu caso, relaxe. Entenda o "espírito da coisa", sem se preocupar com a "calculeira".
Sabemos que se uma grandeza física u se propaga como uma onda na direção x oscilando no tempo t, ela sempre obedecerá a uma equação diferencial do tipo
onde v é a velocidade de propagação da onda.
Repare bem que, pela solução das Equações de Maxwell que apresentei logo acima, tanto E quanto B propagam-se exatamente dessa forma. Portanto, fazem parte de uma onda que, por ter um componente elétrico (E) e outro magnético (B) passamos a chamar de onda eletromagnética.
Note ainda que, na solução das Equações de Maxwell, a velocidade v de propagação dos campos E e B pode ser expressa em função das constantes μ e ε no vácuo:
Ficou curioso em saber quanto dá o valor acima? Qualquer um ficaria!
Sabemos, do Eletromagnetismo, que os valores da permeabilidade magnética (μ) e da permissividade elétrica (ε) no vácuo, em unidades do Sistema Internacional (S.I.), são:
Com esses valores fica fácil obter o valor da velocidade v da onda eletromagnética:
Conhece esse valor? É o valor da velocidade c da luz no vácuo! Incrível! Os campos E e B propagam-se com a velocidade da luz no vácuo. Logo, está provado que a luz é onda eletromagnética!
Essa descoberta unificou a Óptica Clássica bem como a Ondulatória com o Eletromagnetismo, constituindo-se num grande avanço para a Física!
Mais adiante descobriu-se que existem outras ondas eletromagnéticas além e aquém do espectro visível (que vai do vermelho ao violeta). A luz (visível) passou a ser tratada como uma estreita faixa dentro do amplo espectro eletromagnético que contém todas as ondas eletromagnéticas. Em outras palavras, a luz passou a ser considerada um "caso particular" de onda eletromagnética, as únicas ondas capazes de sensibilizar as células da retina dos nossos olhos.
Einstein e o Efeito Fotoelétrico (1905)
Em 1905, quarenta anos depois de Maxwell e, portanto, há 110 anos, o jovem Albert Einstein (1859-1955), num ano extremamente produtivo da sua vida científica, escreveu cinco artigos. Todos os cinco foram relevantes para a Física.
Um deles, o que nos interessa agora, explicava de forma original e radicalmente diferente o EFE – Efeito Fotoelétrico.
Já se sabia, antes de Einstein, que luz era capaz de descarregar um eletroscópio. Logo, era conhecido o fato de que a luz poderia agir sobre cargas elétricas. O fenômeno era bem conhecido experimentalmente. Em condições controladas de laboratório, era possível arrancar elétrons de um metal usando luz. Os físicos sabiam, inclusive, que o EFE só acontecia a partir de uma determinada cor (a rigor, depois que a luz foi tratada como onda, a partir de uma determinada frequência). Mas não havia como explicar classicamente, seja pela Ondulatória ou pelo Eletromagnetismo, como a luz conseguia agir sobre as cargas elétricas!
Einstein, perspicaz e atento às novidades da Física da época, sabia que em dezembro de 1900 Max Planck (1858-1947) havia feito uma proposta ousada de que a radiação térmica, aquela que se desprende de qualquer corpo aquecido acima de 0K (Zero Absoluto), seria composta por "pacotinhos" de energia, cada qual chamado de quantum de energia. A teoria de Planck, numa tentativa desesperada para explicar a distribuição de energia da Radiação Térmica, também conhecida como Radiação de Corpo Negro, previa que os átomos, em constante agitação térmica, agiam como osciladores harmônicos. Por conterem cargas elétricas, átomos oscilando emitiam radiação, como se fossem antenas microscópicas. No equilíbrio térmico, a quantidade de energia absorvida e a quantidade de energia emitida por unidade de tempo pelos átomos oscilantes deveria ser igual. E, tanto na absorção quanto na emissão, essa energia não poderia ser contínua mas deveria ser feita em quantidades discretas E, cada qual proporcionais à frequência f da radiação.
Einstein gostou do conceito de quantum de Plank e imaginou que a luz, assim como a Radiação Térmica, também poderia ser "granulada", ou seja, feita de "pacotinhos" de energia que obedeciam à mesmas regra da quantização de Planck. Em outras palavras, Einstein estava entendendo que a luz poderia ser encarada como sendo feita de partículas. Bem mais adiante, as partículas de luz foram batizadas de fótons, termo consagrado e usado atualmente.
Segundo Einstein, cada partícula de luz carregaria energia E = h.f. Ao encontrar um elétron da superfície metálica, haveria colisão. Se a energia E = h.f fosse suficiente para libertar o elétron do metal, então o EFE era disparado. Caso a partícula de luz não tivesse energia suficiente, ou seja, baixa frequência, o fenômeno simplesmente não acontecia. E, se a partícula de luz tivesse energia a mais, ou seja, com "sobra", o excedente de energia era dado para o próprio elétron ser ejetado do metal com energia cinética, ou seja, com velocidade.
Ideia sensacional! E que descrevia com rigor todos os detalhes experimentais já bastante conhecidos do EFE.
A equação a seguir resume a concepção einsteniana do EFE.
Na expressão acima, Φ é uma grandeza física conhecida como Função Trabalho e que corresponde à energia mínima para liberar os elétrons mais fracamente ligados ao metal.
Como a teoria de einstein para o EFE funcionava perfeitamente bem, os físicos tiveram que "engolir" o fato de que a luz, até então muito bem descrita como onda, também poderia se comportar como partícula!
Planck, com a Quantização da Energia da Radiação Térmica, inaugurou a Física Quântica, a Física do quantum. Einstein embarcou na ideia e fortaleceu as bases da Física Quântica apresentando uma aplicação imediata da Quantização de Planck para explicar de forma brilhante e original o EFE. Não é por acaso que, em 1921, Einstein recebeu o Nobel de Física pela sua descrição do EFE.
Mais adiante, outros trabalhos, como o de 1926 do francês Louis de Broglie (1892 -1987), fortaleceram o estranho comportamento dual das entidades quânticas.
Uma curiosidade histórica e que merece destaque refere-se ao elétron, descoberto em 1897 como partícula pelo inglês John J. Thomson (1856-1940). Posteriormente, em 1927, George P. Thomson (1892-1975), filho de John J. Thomson, verificou padrões típicos de difração ao fazer elétrons atravessarem um filme fino de metal. No mesmo ano, acidentalmente, os americanos Clinton Joseph Davisson (1881-1958) e Lester Germer (1896-1971), nos Laboratórios Bell, obtiveram difração de elétrons em cristais. Mas difração é fenômeno típico de ondas e não de partículas! J.J. Thomson, o pai, comprovou que o elétron é partícula. E G. P. Thomson, o filho, que o elétron é onda! Graças à Física Quântica e à Dualidade Onda-Partícula, não tivemos nenhum problema familiar. E ambos, pai e filho, se destacaram no mundo da Física e foram laureados com Nobel: J. J Thomson em 1906 pelos estudos na condução elétrica em gases e G. P. Thomson em 1937, junto com Davisson, pela comprovação experimental da difração de elétrons.
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A Física Quântica evoluiu e atravessou o século 20, mais madura do que nunca. A Dualidade Onda-Partícula passou a ser considerada um fato inquestionável no mundo quântico. Para encerrar meu texto, ratificando o que eu já disse lá no começo, a luz é uma entidade quântica. Logo, segundo a Dualidade Onda-Partícula, a luz pode ter comportamento tanto de onda quanto de partícula. E isso não tem nada de contraditório. No mundo quântico é exatamente assim. Ok?
Esse post faz parte das comemorações do Ano Internacional da Luz. E faz parte da blogagem coletiva da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2015 organizada pelo amigo e blogueiro Roberto Takata.
Sobre o autor
Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.
Sobre o blog
"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."