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Por que temos quatro estações no ano?

Prof. Dulcidio Braz Júnior

24/06/2015 17h55

Tela do aplicativo "Seasons Simulator" mostrando o que acontece no solstício de inverno, 21 de junho, de três diferentes pontos de vista (três janelas).

 

No post anterior, publicado no dia em que entramos oficialmente no inverno no hemisfério sul terrestre, falei sobre solstícios e equinócios, assunto intimamente ligado às quatro estações do ano.

Optei por conduzir o tema tomando o horizonte local de um observador terrestre como referencial. Dessa maneira, podemos perceber de forma bastante prática e observável como a posição do sol nascente (ou poente) vista daqui da Terra muda diariamente. Fica como sugestão aos leitores mais interessados observar o Sol nascente (ou poente) ao longo de um ano e confirmar a ideia de forma experimental. É a maneira mais didática para entender o fenômeno de forma definitiva, ou seja, aprender de verdade.

Nesse novo texto pretendo aprofundar o tema. Usarei o Seasons Simulator (imagem acima) que pertence à incrível coleção de aplicativos interativos de Astronomia (em flash) da Universidade Nebraska-Lincoln. O aplicativo é bastante didático porque explora três janelas simultâneas que nos permitem analisar a posição relativa Terra-Sol em três diferentes referenciais, o que ajuda muito no entendimento da origem das quatro estações do ano.

Confira a função didática de cada uma das três janelas:

  • Janela principal, maior, à esquerda
    Nos dá uma visão geral da Terra orbitando o Sol. É como se estivéssemos parados em relação ao Sol,  num ponto distante do espaço, observando o nosso planeta em seu movimento anual de translação.
  • Janela secundária superior à direita
    Focaliza a Terra, como se estivéssemos num ponto fixo do espaço num plano que contém o círculo do equador do nosso planeta. É possível ver um observador que se encontra em certa latitude (linha vermelha que marca o paralelo local). E podemos acompanhar a mudança na inclinação aparente dos raios de solares (paralelos) que atingem o planeta. É bastante didático perceber que, ao longo do ano, o raios solares atingem a Terra em diferentes inclinações em relação ao plano do equador.
  • Janela secundária inferior à direita
    Mostra os raios solares (paralelos) que atingem a superfície da Terra no local onde se encontra o observador, para cada época do ano.

 

Entendendo as quatro estações

A órbita da Terra ao redor do Sol é elíptica. Isso quer dizer que, enquanto a Terra orbita o Sol, a distância Terra-Sol varia entre um valor mínimo e um valor máximo.

Se a órbita solar da Terra fosse uma elipse muito alongada (a rigor, muito excêntrica), a distância Terra-Sol iria variar bastante ao longo de um ano, como nos mostra a imagem abaixo.

Como seria a órbita da Terra ao redor do Sol se fosse muito alongada (a rigor, se fosse uma elipse
muito excêntrica). Atenção: figura propositalmente fora de escala.

Se, como visto acima, a distância Terra-Sol tivesse variações enormes (distância máxima muito maior do que a distância mínima), a Terra iria se aproximar e se afastar bastante do Sol. Teríamos, quando mais perto da nossa estrela, muita energia solar atingindo o planeta e, portanto, temperaturas muito altas. Ao contrário, quando a Terra ficasse bastante afastada do Sol, a temperatura do nosso planeta cairia a valores extremamente baixos. Dá para perceber que a temperatura média na Terra sofreria variações gigantescas ao longo de um ano? Para a nossa sorte, não é assim. Mas muitos livros didáticos mostram a órbita da Terra e de outros planetas do Sistema Solar exageradamente elípticas, passando informação equivocada aos estudantes, induzindo-os a erros graves.

A ilustração abaixo está mais próxima da realidade. A orbita da Terra ao redor do Sol é quase circular e o Sol está ligeiramente deslocado do centro (para um ponto chamado foco da elipse). A órbita não é uma circunferência perfeita. Mas está bem longe de ser uma elipse muito alongada!

A órbita da Terra ao redor do Sol é "quase circular" (a rigor, é uma elipse de baixa excentricidade).
Atenção: figura propositalmente fora de escala.

 

Note, pela imagem acima, que na realidade os valores máximo e mínimo da distância Terra-Sol não são radicalmente diferentes ao longo do ano (ou de uma órbita completa). Logo, as variações climáticas conhecidas como estações do ano aqui na Terra não podem ser efeito da aproximação ou do afastamento da Terra em relação ao Sol decorrentes das excentricidade orbital. Concorda?

E todos sabemos que sempre temos estações opostas nos hemisférios norte e sul. Certo? Quando é inverno no hemisfério norte, é verão no sul. Quando é primavera no hemisfério norte, no sul é outono. Se fosse a distância Terra-Sol que provocasse as estações do ano, teríamos sempre uma estação única em todo o planeta. Mas não temos.

Se não é a excentricidade orbital, quem provoca as estações do ano? A resposta é relativamente simples: a inclinação do eixo de rotação terrestre que se mantém constante enquanto o nosso planeta orbita o Sol em seu movimento anual de translação. Assim, dependendo da época do ano, a Terra pode estar numa posição em que recebe mais energia solar no hemisfério norte do que no sul (verão no norte e inverno no sul) ou mais energia solar no hemisfério sul que no norte (verão no sul e inverno no norte). Pode, ainda, estar em situações intermediárias onde a energia solar média que atinge o planeta é equivalente nos dois hemisférios,  dando origem à primavera e ao outono.

E é isso, dentre outras coisas, que pretendo deixar bem claro nesse texto.

Vou tomar as mesmas datas do post anterior e, no aplicativo Seasons Simulator, analisar o fenômeno. Escolhi (no software) a latitude do observador como sendo 22 graus sul, muito próximo da latitude da minha cidade, São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Acompanhe o raciocínio a seguir.

 

Simulações e explicações

20/março (equinócio de outono no hemisfério sul)

O Sol atinge igualmente os dois hemisférios da Terra. Os raios solares chegam perpendicularmente ao equador terrestre. Para o observador na Terra, 22 graus ao sul do equador, os raios solares estão um pouco inclinados para o norte, ou seja, o observador vê a trajetória aparente diária do Sol ligeiramente deslocada para o norte.

20/maio (em pleno outono no hemisfério sul)

O Sol já atinge bem mais diretamente o hemisfério norte que o sul. Por isso, no hemisfério sul, as temperaturas tendem a ficar cada vez mais amenas. Os raios solares atingem perpendicularmente um ponto acima do equador, próximo ao trópico de câncer. Para o observador na Terra, 22 graus ao sul do equador, os raios solares estão ainda mais inclinados para o norte, ou seja, a trajetória aparente diária do Sol é vista ainda mais deslocada para o norte.

21/junho (solstício de inverno no hemisfério sul)

O Sol agora atinge muito mais diretamente o hemisfério norte que o sul. As temperaturas no hemisfério sul serão muito mais baixas. Começa oficialmente o inverno no hemisfério sul. Os raios solares incidem perpendicularmente num ponto exatamente sobre o trópico de câncer. Para o observador na Terra, os raios solares estão muito mais inclinados para o norte, ou seja, o observador vê a trajetória diária aparente do Sol bastante deslocada para o norte.

21/agosto (em pleno inverno no hemisfério sul)

Segue o inverno no hemisfério sul. O Sol ainda atinge mais diretamente o hemisfério norte que o sul. Os raios solares incidem perpendicularmente num ponto abaixo do trópico de câncer, o que significa que o nosso inverno está indo embora. Para o observador na Terra, 22 graus ao sul do equador, os raios solares estão menos inclinados para o norte do que estavam em junho, ou seja, o observador vê o Sol voltando a passar cada vez mais alto no céu e menos deslocado para o norte.

23/setembro (equinócio de primavera no hemisfério sul)

Voltamos a uma posição da Terra ao redor do Sol em que os raios solares atingem igualmente os dois hemisférios. Temos outro equinócio. A Terra está numa posição da sua órbita diametralmente oposta àquela em que se encontrava no dia 21/março (equinócio de outono). As temperaturas no hemisfério sul começam a subir. Os raios solares voltam a incidir perpendicularmente sobre um ponto exatamente no equador. Para o observador na Terra, 22 graus ao sul do equador, os raios solares estão ligeiramente inclinados para o norte, ou seja, o observador vê o sol passando bem mais alto no céu e muito pouco deslocado para o norte. Daqui para a frente o observador vai ter a sensação de que agora o Sol avança para o sul.

21/novembro (em plena primavera no hemisfério sul)

Em plena primavera, o Sol já atinge muito mais diretamente o hemisfério sul que o norte. As temperaturas no hemisfério sul vão crescer cada vez mais. Os raios solares chegam quase sem inclinação à superfície do planeta onde encontra o observador, 22 graus ao sul do equador. Em breve o Sol estará a pino nesse local. E o observador terá a sensação de que a cada dia a trajetória aparente diária do Sol se desloca mais para o sul.

22/dezembro (solstício de verão no hemisfério sul)

É bem evidente que o Sol agora atinge muito mais diretamente o hemisfério sul que o norte. A Terra se encontra em posição orbital diametralmente oposta àquela que ocupava em 21 de junho (solstício de inverno). É solstício de verão no nosso hemisfério, data que marca oficialmente o início do nosso verão. As temperaturas ao sul do equador serão muito mais altas. Os raios solares incidem perpendicularmente num ponto exatamente sobre o trópico de capricórnio, muito próximo de onde se encontra o observador terrestre, a 22 graus ao sul do equador, para quem os raios solares estão um pouquinho inclinados para o sul. Para o observador o Sol atingiu seu máximo deslocamento aparente ao sul e passa alto no céu.

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Conclusão

Analisando as situações simuladas acima, percebemos que a inclinação constante do eixo de rotação da Terra provoca, para um observador fixo no nosso planeta, a sensação que a trajetória diária solar se desloca para norte ou para o sul do equador, dependendo da época do ano.

A partir do equinócio de outono no hemisfério sul, o Sol parece se deslocar cada vez mais para o norte, até o início do inverno. No solstício de inverno o Sol "para" e atinge o máximo deslocamento norte. A partir daí, o Sol parece retornar à mesma posição do equinócio de outono, até atingir o equinócio de primavera. Desde que a primavera tem início, até o começo oficial do verão, o Sol tem deslocamento aparente para o Sul. No solstício de verão o Sol "para" novamente e atinge máximo deslocamento sul. Daí para frente o Sol parece retornar para a posição do equinócio, fechando um ciclo, que se repete anualmente, a cada orbita completa do nosso planeta ao redor do Sol.

Na prática, é como se o Sol fosse uma lâmpada que "sobe" (vai para o norte) e depois "desce" (indo para o sul) iluminando de forma diferencial cada hemisfério da Terra em cada época do ano. Esse diferença de iluminação (a rigor, de insolação), faz com que a taxa de energia solar incidente em cada hemisfério seja diferente, o que provoca temperaturas maiores ou menores.

Como temos quatro pontos principais na órbita solar da Terra (dois solstícios e dois equinócios), caracterizando posições típicas aparentes do Sol, os quatro períodos de tempo entre esses quatro pontos orbitais ficaram conhecidos como as quatro estações do ano. Deu para entender porque temos quatro estações no ano?

Agora rode o  Seasons Simulator pensando no raciocínio acima. Sem pressa, brinque! Divirta-se vendo o tempo passar rápido. Compare os que as três janelas simultâneas do aplicativo mostram. Tenho certeza de que o seu entendimento sobre as quatro estações do ano vai mudar para melhor!

Veja a seguir algumas dicas "quentes" sobre o aplicativo, visando melhorar a sua curva de aprendizagem do software, o que vai acelerar o processo didático.

Dicas sobre o o aplicativo

Tela do "Seasons Simulator"

 

Pra começar, dois botões bem importantes:

  • No rodapé do aplicativo, no canto inferior direito, encontramos o botão "start/stop animation". Ela faz o óbvio: dá início à simulação que se desenvolve automaticamente. Clicando nele novamente, a simulação fica pausada. Experimente rodar a simulação e observar a evolução simultânea das cenas nas três janelas (1, 2 e 3). O efeito didático para entender o fenômeno das quatro estações é simplesmente genial.
  • Note ainda, no mesmo rodapé, um calendário. Conforme a animação se desenrola, uma barra vertical rosa vai mostrando a evolução dos dias/meses dos ano. Essa barra rosa pode ser clicada e arrastada. Com a simulação automática parada, você mesmo pode clicar/arrastar essa barra para fazer o tempo andar para frente ou para trás. E pode escolher rapidamente o dia do ano que pretende observar. Muito útil.
  • Se quiser recomeçar do zero, no topo da janela do aplicativo tem o botão "reset".

As três janelas (ou referenciais):

  • Na janela (1), principal, a que nos dá uma visão geral da Terra orbitando o Sol, podemos clicar/arrastar. Com essa ação, mudamos a perspectiva 3D, ou seja, é possível alterar o ponto do espaço do qual assistimos a cena. Isso funciona com a simulação pausada ou rodando. Função muito didática.
  • Na janela (2) é possível clicar/arrastar sobre o observador para alterar a sua posição relativa ao equador terrestre, ou seja, ajustar a sua latitude local. Quando você abre o aplicativo, o observador encontra-se numa latitude norte. Ajuste-a para a sua latitude. Para fazer as imagens desse post eu acertei a latitude do observador para cerca de 22 graus sul, a latitude da minha cidade, bem próxima da latitude de São Paulo. 
  • A terceira janela (3) nos dá a visão do observador. Podemos ver a superfície da Terra onde se encontra o observador e acompanhar a mudança na inclinação dos raios solares (paralelos) que atingem o solo em cada dia do ano.

O funcionamento básico do aplicativo é esse. Mas há outros recursos. Não tenha medo: clique e descubra-os!

Deixe seus comentários contando a sua experiência de brincar de Deus, mandando o tempo para frente e para trás, vendo como as estações do ano acontecem aqui na Terra!


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Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."