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Física na Veia

Saiba como ver o recém descoberto cometa Neowise no céu da sua cidade

Prof. Dulcidio Braz Júnior

21/07/2020 16h25

Cometa C/2020 F3 Neowise registrado por Jarek Oszywa em Miedzygórze, na Polônia (Fonte: APOD/NASA)

 

Cometas são rochas geladas, restos da formação do Sistema Solar, que estão gravitacionalmente presos ao Sol e têm tamanho da ordem de poucas dezenas quilômetros, às vezes nem isso. Quando estão muito longe da nossa estrela, por serem muito pequenos, quase nunca são vistos daqui da Terra, até mesmo pelos telescópios especializados em buscá-los no céu.

Mas, quando vêm para o centro do Sistema Solar e se aproximam do Sol, passam a receber mais energia térmica da nossa estrela. E algo quase mágico acontece: material da superfície do cometa, ao ser aquecido, começa a vaporizar-se formando uma espécie de nuvem crescente ao seu redor.

Esta nuvem de material vaporizado, conhecida tecnicamente por coma mas também chamada de cabeleira, fica gravitacionalmente presa ao redor do núcleo do astro, viajando "grudada" nele. E vai crescendo aos poucos na medida em que vai ganhando mais e mais material vaporizado que surge da aproximação gradativa do cometa ao Sol.

Desta forma peculiar, o astro inicialmente pequeno e sem graça ganha aos poucos a aparência de um imenso algodão doce que vai inflando continuamente e pode chegar ao tamanho de um planeta. A rocha gelada, pequena e sem graça, pode evoluir para um astro bastante brilhante e imponente que, como um pouco de sorte, pode ser visto daqui da Terra até mesmo a olho nu.

Mas tem mais um outro capricho cósmico que torna os cometas astros ainda mais incríveis e ímpares! Refiro-me à formação da cauda. Sempre que você pensa num cometa, logo vem à mente um astro com cauda, não é mesmo? E está certíssimo! Cometas costumam ter cauda. E ela surge da ação do Sol que literalmente sopra¹ a cabeleira de material vaporizado para longe, criando um rastro que pode chegar ao tamanho de milhões de quilômetros.

Precisa ficar claro que cometas são astros de aparência imprevisível. Uma vez descobertos, sempre ficaremos na dúvida e na grande expectativa de "como será que ele vai evoluir e se terá ou não coma e cauda visíveis". Tudo depende de quanto material passível de vaporizar-se ainda resta sobre o núcleo do cometa. E isso nunca sabemos de pronto. A primeira coisa que os cientistas fazem é determinar a trajetória (órbita) do cometa ao redor do Sol. A partir daí, com softwares, é possível descobrir o futuro mecânico do astro ou seja, saber quando ele vai passar pelo periélio, ponto de máxima aproximação com o Sol. Dá para saber também a que distância mínima ele chegará da Terra. Mas nunca sabemos, de imediato, como será o futuro visual do astro. Existe até a possibilidade dele ser completamente destruído em sua passagem periélica, o que é frustrante porque a "brincadeira" acaba ali e da forma mais trágica possível! Isso tudo é sempre descoberto em tempo real, com observações sucessivas e que mobilizam astrônomos profissionais e amadores de todo o planeta numa verdadeira caçada ao cometa.

Na segunda quinzena de março deste ano pandêmico foi descoberto o cometa C/2020 F3 Neowise (veja a belíssima foto dele lá no topo do post publicada ontem, 20 de julho, no APOD/NASA, e que tem "de brinde" algumas nebulosas). Para a grata surpresa dos astrônomos, o cometa evoluiu muito bem nos dias após a sua descoberta tornando-se um astro visível até mesmo a olho nu. Sorte dos habitantes do hemisfério norte do planeta que puderam observar antes de nós o Neowise em aproximação com o Sol, em plena e belíssima evolução.

Neste exato momento, o Neowise que já passou pelo periélio está indo embora para o fundão do Sistema Solar. Aos poucos, tanto a cauda quanto a coma vão diminuindo e em breve o cometa voltará a ser uma pequena rocha gelada e pouco visível.

A boa notícia para nós habitantes do hemisfério do Sul é que desde domingo passado o Neowise já podia ser visto ao entardecer ao sul da linha do Equador, embora ainda de regiões de baixas latitudes e bem baixo, ou seja, ainda muito próximo à linha do horizonte. Ontem mesmo e também hoje já vi imagens do cometa feitas por astrônomos amadores brasileiros do norte e do nordeste do nosso país. Aos poucos, nos próximos dias, o cometa será cada vez mais visível para os brasileiros de latitudes mais altas. Eu que estou a 22 graus abaixo do Equador já estou em contagem regressiva!

A má notícia é que, em contrapartida, por estar se afastando do Sol, o coma e cauda do cometa vão diminuir e perder brilho a cada dia. O cometa vai ficar cada vez mais alto no céu do hemisfério sul, o que é melhor para tentar observá-lo, mas vai perder tamanho e brilho gradativamente. Dá para dizer que, sem muitos recursos,  ao olho nu ou com pequenos binóculos, temos no limite esta semana para tentarmos observações e registros astrofotográficos do Neowise.

Nesta quarta-feira, 22/julho, eu que moro no interior de São Paulo, região sudeste, já tenho esperança de observar e, quem sabe, fotografar o Neowise ao entardecer. Mais para o final da semana, moradores da região Sul do Brasil também poderão tentar suas observações.

Vamos nessa?

Como encontrar o Neowise no céu?

Não é tão complicado encontrar o cometa, embora ele seja um astro visualmente pequeno e de brilho tênue. A luz solar, por mais fraca que seja, neste cenário, atrapalhará bastante. E não teremos muito tempo, depois do Sol se por, para tentarmos ver o cometa antes que ele mesmo se ponha atrás do horizonte.

Mas repito: não é tão complicado. É preciso paciência. Siga a minha receita abaixo onde dou alguns macetes importantes:

  1. Procure um lugar alto, que dê para ver bem o horizonte oeste, de preferência longe da luzes da cidade;
  2. Espere o Sol se por do lado oeste (não exatamente no ponto cardeal oeste mas deslocado para a direita (a rigor para o norte). Mais ou menos uns 40 minutos depois que o Sol estiver sumido por trás do horizonte, o céu já estará razoavelmente escuro para oferecer bom contraste para a coma e a cauda do cometa. A partir deste momento, procure por uma manchinha borrada à direita do ponto onde o Sol se escondeu ( a rigor, a noroeste) e um pouco acima do horizonte. Se tiver um binóculo, a caça ao cometa será bem mais fácil. Se não tiver, não desanime. Ainda assim será possível se não houver fonte de luz por perto que possa ofuscar a sua visão.Importante: não espere ver nada parecido com a imagem lá do topo e que abre o post! Ela foi feita com a técnica de longa exposição em que a câmera fica com o obturador aberto capturando bastante luz por alguns minutos. Dependendo do tempo de captura, um sistema deve mover a câmera para compensar a rotação da Terra. A olho nu o cometa será uma "nuvenzinha com uma cauda tênue". Mesmo assim, é emocionante poder ver um cometa ao vivo! Tente! Alguns minutos depois que encontrar o cometa, com a acomodação visual, seu cérebro vai "entender" o processo e a observação tende a ficar mais divertida e eficiente.

Para ajudar você na caça ao cometa, confira abaixo as simulações do horizonte oeste para os próximos dias às 18h para a minha cidade (latitude aproximada 22 graus sul). Nesta hora o céu ainda estará bem claro mas é sempre bom começarmos as observações um pouco mais cedo para irmos nos acostumando ao cenário. Note que o cometa estará na posição marcada pela cruz vermelha. Usei o software Stellarium, um fantástico planetário desktop freeware e opensource mas que, infelizmente, ainda não simula a coma e a cauda do cometa embora nos dê a sua posição com bastante precisão.

Simulação do céu (horizonte noroeste) ao entardecer entre 22 e 26 de julho de 2020

Para outros lugares do Brasil, com a mudança da latitude, as posições dos astros bem como os horários poderão variar ligeiramente. Nesta live do canal AstroNEOS, o físico e astrônomo Cristóvão Jacques mostra uma foto do Neowise feita por um astrônomo amador a partir do Ceará. Nesta outra live Cristóvão dá dicas de observação do cometa e até ensina como configurar o Stellarium. Você também pode instalar o software e, para sua localização específica, fazer simulações mais precisas para ajudá-lo na observação do Neowise. E todo dia, a partir desta semana, às 17h, haverá uma live no AstroNEOS com dicas de observações astronômicas para a próxima noite. Para quem gosta de olhar o céu e não quer perder nada de interessante, vai ser espetacular.

Boas observações!

Mas não se esqueça:

  • Se sair de casa para ver o cometa, use máscara e tome todos os cuidados por conta da pandemia do novo coronavírus;
  • Lugares afastados da cidade são excelentes para observações astronômicas mas podem ser perigosos. Todo cuidado com a segurança pessoal e só vá para lugares conhecidos!

Se eu conseguir imagens do Neowise, posto aqui no blog. Combinado?

Encerro este post com um registro astrofotográfico que fiz do cometa C/211 W3 Lovejoy daqui da janela do meu apartamento na madrugada de 27 de dezembro de 2011. O cometa estava bem apagado e mal se via a olho nu. Mas já foi bem legal! Eu não tinha equipamento voltado para a astrofotografia e, pela raridade do fenômeno, nenhuma técnica para clicar o astro. Mas deu para registrar a longa cauda.

Cometa C/2011 W3 Lovejoy. Madrugada de 27/12/2011 em São João da Boa Vista, SP.

 

Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!

 


¹ Este sopro de partículas subatômicas vindos do Sol é conhecido com vento solar.

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."