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Física na Veia

4/julho: sabia que hoje estamos passando mais longe do Sol?

Prof. Dulcidio Braz Júnior

04/07/2020 15h53

O nascer do Sol visto do espaço (Fonte: pixabay)

 

Hoje, o tamanho aparente do Sol visto daqui da Terra é o menor possível. Duvido que você tenha notado. Eu não notei. A diferença é mínima. Mas existe, e só pode ser determinada com instrumentos mais precisos. No "olhômetro", não tem como.

Antes que me pergunte "o Sol encolheu?", tranquilizo a você e a todos os leitores que não. O Sol, aliás, continua com o mesmo diâmetro estelar de cerca de 1.392.700 km que, apreciados daqui da Terra, nos parece ter cerca de 0,5 grau. O tamanho aparente menor do Sol hoje deve-se ao fato de que Terra está passando mais distante dele. Isso acontece anualmente, e sempre no começo do mês de julho.

Ficou interessado? Aprofundo o tema a seguir. Vem comigo?

Os planetas do Sistema Solar, incluindo a Terra, têm órbitas Ovais

A órbita da Terra em seu movimento de translação ao redor do Sol não é perfeitamente circular. Segundo Johannes Kepler (1571-1630), em sua Primeira Lei, também conhecida como Lei das Órbitas:

As órbitas dos planetas do Sistema Solar são elípticas com o Sol posicionado num dos focos.

A ilustração abaixo, propositalmente fora de escala e exageradamente oval, nos dá uma noção do que é uma órbita elíptica com o Sol não no centro mas numa posição excêntrica geometricamente chamada de foco da elipse.

elipse_grande-excentricidade2[1].jpg
As distâncias mínima (dmín) e máxima (dmáx) de um planeta ao Sol

 

O ponto da órbita de um planeta de máxima aproximação com o Sol é chamado de periélio. Na posição diametralmente oposta temos o ponto de máximo afastamento que conhecemos por afélio.

Hoje, às 8h35min (horário de Brasília), a Terra passou pelo seu afélio. A informação que aqui replico vem de mais um Astrocard produzido pelo prof. Irineu Varella, caro amigo das redes sociais e renomado astrônomo que sempre nos brinda com seus Astrocards super didáticos! Este, mais uma vez, obtive do perfil do prof. Irineu no Facebook.

Astrocard do prof. Irineu Gomes Varella (/Fonte: Facebook)

Anualmente, no começo de julho, a Terra tem a sua passagem afélica. Do outro lado da sua órbita ao redor do Sol, com seis meses de diferença, no começo de janeiro, a Terra tem a sua passagem periélica . Neste post, também ilustrado com um Astrocard do prof. Irineu, destaco uma passagem periélica da Terra.

Mas cuidado: não é por conta deste máximo afastamento do Sol que a temperatura ambiente aqui no Brasil anda baixa! Lembre-se de que no Brasil e em todo o hemisfério sul do planeta estamos no inverno, época de esperadas e muito normais temperaturas médias baixas. No hemisfério norte, que está no mesmo planeta que hoje passou mais longe do Sol, em pleno verão, as temperaturas estão altas.

O que causa as estações do ano é a inclinação do eixo da Terra em relação ao plano orbital, o que faz com que os raios solares, dependendo da época do ano, atinjam mais diretamente um hemisfério do que outro. Neste post de 2015 explico melhor a ideia da estações. Neste outro post mais recente, quando do início do inverno de 2020 no hemisfério sul, também abordo esta instigante questão.

Quão oval (a rigor, elíptica) é a órbita da Terra?

A órbita da Terra é uma elipse muito pouco ovalada. Medimos o caráter oval de uma elipse pela grandeza geométrica "e" chamada excentricidade. Uma circunferência tem excentricidade nula (e = 0). A excentricidade da órbita da Terra vale e = 0.0167086. Desta forma, a órbita da Terra ao redor do Sol é quase circular. Mas paramos no "quase". A rigor, é uma elipse ligeiramente ovalada e com o Sol ligeiramente deslocado do centro para um dos focos da elipse.  A ilustração abaixo, em comparação com a ilustração análoga mais acima, nos dá uma melhor ideia de quão pouco oval é a órbita da Terra ao redor do Sol.

elipse_pequena-excentricidade[1].jpg
As distâncias mínima (dmín) e máxima (dmáx) da Terra, em órbita pouco excêntrica, ao Sol

 

Se a órbita da Terra ao redor do Sol fosse mais oval, seria possível nos afastarmos muito mais do Sol quando da passagem pelo afélio e nos aproximarmos muito mais da nossa estrela quando da passagem pelo periélio. E isso poderia provocar mudanças significativas de temperatura a ponto de afetar o clima do planeta. Isso não ocorre e, ratificando o que já disse acima, o motivo para as quatro diferentes estações do ano reside no fato de que há uma inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao plano orbital. Também poderíamos notar a olho nu, ao longo do ano, mudanças gradativas no tamanho aparente do Sol.

Para que você tenha uma noção quantitativa, a distância média Sol-Terra mede 150 milhões de quilômetros¹ aproximadamente.

Para calcularmos a distância mínima Sol-Terra (no periélio) usamos:

E, para sabermos a distância máxima Sol-Terra (no afélio), como hoje, usamos:

Nas expressões acima, a = 150.106 km (150 milhões de km) é a distância média Sol-Terra e e = 0.0167086 é a excentricidade orbital da Terra. Assim podemos calcular:

  • No periélio: dmin = a.(1 – e) = 150 (1 – 0.0167086) = 150.(0,983214) = 147.106 km (147 milhões de km);
  • No afélio: dmáx = a.(1 + e) = 150 (1 + 0.0167086) = 150.(1,0167856) = 152.106 km (152 milhões de km).

Portanto, hoje, no começo desta manhã de inverno, às 8h35 min, passamos a cerca de 152 milhões de quilômetro do Sol e, a partir de agora e até o começo de janeiro, estaremos dele nos aproximando.

Vale dizer ainda que, como a força gravitacional atrativa mútua entre o Sol e a Terra depende do inverso do quadrado da distância entre os centros de massa dois dois astros, quando a Terra vai se aproximando do Sol, para não cair nele, tem a sua velocidade gradativamente aumentada. Quando se afasta do Sol, ao contrário, para não escapar para o espaço, a velocidade orbital do nosso planeta diminui. Hoje, exatamente na passagem pelo afélio, a velocidade orbital da Terra atingiu o menor valor possível.

Na prática, nosso planeta passa seis meses acelerando (entre o afélio e periélio) e outros seis brecando (entre o periélio e o afélio). A velocidade média da Terra ao redor do Sol é de cerca de 30 km/s. E cresce/decresce muito pouco entre o periélio e o afélio, variando entre Vmín = 29,3 km/s no afélio e Vmáx = 30,2 km/s no periélio.

Não sentimos os efeitos inerciais da aceleração/desaceleração do nosso planeta porque a variação de 30,2 – 29,3 = 0,9 km/s demora seis meses para ocorrer. Graças à gravidade, seguimos grudados e solidários ao planeta, viajando tranquilos e sem solavancos, pelo menos do ponto de vista mecânico.

Se quiser saber mais sobre a órbita da Terra, leia aqui (em PDF) o artigo "O problema do Ensino da Órbita da Terra" de autoria do prof. Dr. João Batista Garcia Canalle, coordenador da OBA – Olimpíada Brasileira de Astronomia, publicado na Revista Física na Escola (volume 4, número 2, 2003), publicação oficial da SBF – Sociedade Brasileira de Física. O texto é bem bacana e esclarecedor.

Página de rosto do artigo "O problema do ensino da órbita da Terra" do prof. Canalle na RBEF.

 

Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!


¹ A distância média Sol-Terra, cerca de 149,6 milhões de km (e que aqui neste texto aproximei para 150 milhões de km), é  conhecida como UA (Unidade Astronômica)  e usada para convenientemente medirmos distâncias entre astros dentro no Sistema Solar.

Já publicado no Física na Veia!

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."