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Física na Veia

"Superlua" cheia acontece hoje! Entenda o fenômeno

Prof. Dulcidio Braz Júnior

09/03/2020 04h00

Super_Lua_29ago2015_02

Registro que fiz do nascer da Lua Cheia no perigeu em 29 de agosto de 2015 em São João da Boa Vista, São Paulo, Brasil.

Hoje, 9 de março, teremos a Lua Cheia passando mais perto da Terra. Uma coincidência e tanto a Lua estar com a face voltada para a Terra 100% iluminada pelo Sol e, praticamente ao mesmo tempo, em aproximação com o nosso planeta. Concorda?

O nome técnico do fenômeno é Lua Cheia no perigeu. Muita gente, no entanto, vem chamando o fenômeno de "Superlua", um termo bastante exagerado e que pode provocar a falsa ilusão de que a Lua Cheia estará gigante no céu. Não estará. Pela aproximação com a Terra, a Lua estará:

  1. Ligeiramente maior do que o seu tamanho aparente médio; 
  2. Mais brilhante, com o luar bem mais intenso que a média.

Por conta de 1 + 2 acima, o "super" vem o termo não-científico.

Alem de observar o fenômeno, entende-lo pode ser instigante e até divertido.

Ficou interessado(a)?

Para observar o fenômeno, basta procurar pela Lua Cheia no céu hoje a qualquer hora. Mas sugiro enfaticamente que tente ver o nascer da Lua Cheia, sempre espetacular, o que deve acontecer pouco antes das 19h (horário de Brasília).

Já para entender o fenômeno, a Ciência nos dá boas ferramentas. Uso-as a seguir, com a máxima honestidade intelectual, tentando quantificar quão "super" será a Lua Cheia de hoje. 

O centro da questão: a distancia Terra-Lua varia

Órbita elíptica da Lua ao redor da Terra

A  órbita da Lua ao redor da Terra não é uma circunferência perfeita com a Terra exatamente no centro. É uma oval que na matemática chamamos de elipse. A Terra fica num dos dois focos da elipse, numa posição ligeiramente deslocada do centro e sobre o semi-eixo maior (a) da elipse. Desta forma, enquanto a Lua orbita a Terra, a distância (d) Terra-Lua  varia constantemente, desde um valor mínimo (dmín = 363 000 km) até um valor máximo (dmáx = 405 000 km).

O ponto de máxima aproximação Terra-Lua, equivalente ao  dmín, é chamado de perigeu, O apogeu, de forma oposta, é o ponto de máximo afastamento Terra-Lua, e equivale ao dmáx.

Quando a Lua Cheia está a pino no local do observador, ela fica ainda mais perto dele. Nesta situação, temos que descontar o raio da Terra (aproximadamente 6400 km) da distância mínima Terra-Lua no perigeu que fica ainda menor e de valor próximo de dmín = 356 000 km. Trato em detalhes desta questão e respectivos cálculos neste post caso seja do seu interesse.

Vista da Terra, por conta desta variação de distância em relação ao nosso planeta, a Lua não tem sempre o mesmo tamanho aparente. Todos sabemos, da prática, que qualquer coisa vista de longe nos parece menor e, de perto, aparenta tamanho maior.

Assim, quanto a Lua passa pelo apogeu, mais longe da Terra, se estiver iluminada pelo Sol e, portanto visível para nós na Terra, nos parecerá menor. Efeito contrário ocorre quanto a Lua passa pelo perigeu. Por estar mais perto, se estiver iluminada pelo Sol, nos parecerá maior.

Mas tem um outro detalhe físico curioso e ainda mais relevante: um objeto que emite luz, quanto mais perto dos nossos olhos, mais brilhante nos parece. Concorda? A Lua no perigeu, mais perto da Terra, será sempre mais brilhante do que a Lua no apogeu, mais distante dos nossos olhos. Isso implica que o luar, a fração da luz solar refletida pela Lua e que atinge a Terra, também varia desde uma intensidade mínima com a Lua passando pelo apogeu e outra máxima quando o nosso satélite passa pelo perigeu, em aproximação com a Terra.

Agora imagine a seguinte coincidência: a ocorrência de uma Lua Cheia, ou seja, com a face voltada para a Terra 100 % iluminada, passando pelo perigeu ou perto dele. O que você acha que vai acontecer?

Junte as ideias acima e vai concluir que teremos uma Lua Cheia ligeiramente maior mas bem mais brilhante!

Antes que você se empolgue e imagine uma lua gigante no céu, aviso que a variação de tamanho entre as passagens da Lua pelo apogeu e pelo perigeu é da ordem de 14 %, ou seja, imperceptível a olho nu. A Lua está maior, de fato. Mas nada assombroso. Mas o luar entra as passagens da Lua pelo apogeu e pelo perigeu pode ficar cerca de 30 % mais intenso, o que na prática significa um luar "turbinado", capaz de clarear a escuridão da noite em locais mais afastados das luzes da cidade.

Para você ter uma ideia do efeito, tivemos uma passagem da Lua Cheia pelo perigeu no dia 8 de fevereiro deste ano de 2020. Registrei, com o celular, num vídeo estilo timelapse, o nascer desta Lua Cheia. Confira aqui este registro numa publicação na minha conta pessoal no Twitter. Note que a Lua Cheia nasce por trás das serra com o dia ainda claro. Mesmo assim, nota-se o seu brilho bastante intenso sobre as luzes da cidade que começam a acender com a chegada da noite. Uma Lua Cheia no perigeu, ou "Superlua", apesar das aspas, é um belo espetáculo!

Como sabemos que o tamanho aparente da Lua vista da Terra varia em 14 %?

Uma boa maneira de estimar o tamanho aparente de um astro (no nosso caso da Lua) é calcular o valor do ângulo θ de abertura do cone de luz que chega aos olhos de um observador na Terra.

Para tanto, usarei o triângulo retângulo laranja e de borda vermelha destacado na imagem abaixo para o qual um dos catetos equivale à distância observador-Lua e o outro ao raio da Lua que mede aproximadamente R = 1740 km.

SuperLua_quantificando_08

 

Pela razão entre os catetos (oposto e adjacente) no triângulo retângulo podemos facilmente obter a tangente do ângulo θ/2 e, a partir daí, numa calculadora científica, descobrir o valor de θ. Basta usar a definição de tangente (cateto oposto pela hipotenusa) dada na expressão abaixo:

SuperLua_quantificando_09

Vamos aos cálculos:

  • Tamanho angular aparente da Lua no perigeu:
    SuperLua_quantificando_10a
  • Tamanho angular aparente da Lua no apogeu:
    SuperLua_quantificando_10b

Pelos cálculos acima, descobrimos que o tamanho angular aparente da Lua varia entre 0,49 graus (apogeu) e 0,56 graus (perigeu). Do ponto de vista percentual, isso equivale a uma variação de:

SuperLua_quantificando_11

Note que o tamanho angular aparente da Lua Cheia no perigeu supera o tamanho aparente no apogeu em 14/100, ou seja, é 14 % maior. Chegamos, portanto, ao valor 14 % que, como eu já disse e repito, é imperceptível no "olhômetro".

SuperLua_quantificando_13

 

Como sabemos que o brilho da Lua vista da Terra varia em 30%?

A intensidade (I) da radiação emitida por uma fonte (F) de tamanho desprezível em geral decresce com o inverso do quadrado da distância (r) à fonte.

Como a energia se espalha de maneira isotrópica ao redor da fonte (F), é como se a fonte estivesse no centro de esferas imaginárias que crescem de tamanho (volume) na medida em que aumenta a distância (r) à fonte. A figura a seguir ilustra essa ideia. Note que, se um observador está a uma distância r da fonte F, é como se ele pertencesse à superfície de uma esfera imaginária de raio r. Se o observador se afastar da fonte e ficar a uma distância 2r dela, é como se agora pertencesse à superfície de outra esfera de raio 2r, de maior volume e também maior área superficial.

SuperLua_quantificando_14

"Cascas esféricas" (aqui vistas de perfil) e centradas na fonte F.

Dessa forma, na medida em que o observador se afasta da fonte (F), a energia por ela emanada por unidade de tempo vai sendo "diluída" numa área (A) cada vez maior e que numa superfície esférica mede A = 4πr² onde onde π = 3,14 é o número pi e r é o raio da esfera. Note que é como se observador estivesse numa casca esférica centrada na fonte.

A imagem abaixo também nos ajuda a entender melhor essa ideia dessa "diluição" de energia. Note que, se dobrarmos r, a área da superfície esférica aumenta quatro vezes (2²). Se triplicarmos r, a área fica multiplicada por 9 (3²). E assim por diante.

SuperLua_quantificando_15

A fonte F emite luz que se espalha ao seu redor e vai sendo "diluída" numa área cada vez maior. [Adaptado de: http://inversodoquadradocomarduino.blogspot.com.br/]

 

Se considerarmos que a fonte F é a Lua, de tamanho desprezível em relação à sua distância média à Terra, na medida em que o observador dela se afasta, ou seja, na medida em que r cresce, a quantidade de energia que ele recebe vinda do nosso satélite fica cada vez menor. Para a luz visível, essa energia representa a intensidade aparente do luar. E nos servirá para estimarmos a diferença no brilho da Lua Cheia quando da sua passagem pelo perigeu e pelo apogeu.

Admitindo que a Lua Cheia emite uma quantidade constante de luz¹ (ou energia luminosa ΔE) por unidade de tempo (Δt), podemos dizer que a Lua Cheia tem uma potência (P = ΔE/Δt) constante. Assim, a intensidade (I) da luz recebida por um observador a uma distância (r) da fonte (Lua) pode ser dada pela razão P/A (potência/área), expressão conhecida como "Lei do inverso do quadrado da distância":

SuperLua_quantificando_16

Note que, sendo P uma constante, então P/4π também é constante. A rigor, se chamarmos essa constante de K, podemos reescrever a Lei acima como I = K/r².

Vamos calcular a intensidade I que chega no observador fixo na Terra para a Lua Cheia a pino no perigeu (Ip) e no apogeu (Ia):

  • Intensidade da luz da Lua Cheia (a pino) no perigeu:
    SuperLua_quantificando_17a
  • Intensidade da luz da Lua Cheia no apogeu:
    SuperLua_quantificando_17b

Podemos comparar as intensidade acima do ponto de vista percentual. Basta fazer a razão entre os valores obtidos. Veja:

SuperLua_quantificando_17c

E aí está a diferença na intensidade do luar entre as passagens da Lua pelo apogeu e pelo perigeu. Cerca de 30/100, ou seja, em 30%. Na prática temos uma Lua Cheia de luar "turbinado".

SuperLua_quantificando_18

A gente precisa ver o luar

Apelo para Gilberto Gil e sua famosa canção "O Luar" cujo trecho inicial reproduzo abaixo:

O luar
Do luar não há mais nada a dizer
A não ser
Que a gente precisa ver o luar (…)

Fica assim o meu convite: vamos observar hoje a Lua Cheia no perigeu, a tão comentada "Superlua" e seu luar "turbinado"? Depois nos conta aqui nos comentários como foi a sua experiência.

Se o céu aqui da minha São João da Boa Vista (interior de São Paulo) estiver limpo, vou observar e tentar fotografar a Lua cheia "turbinada" nascendo sobre a serra. Se obtiver bons registros, posto por aqui.

Bom céu e boas observações onde você estiver!

Abraço do prof. Dulcidio! E Física (e Astronomia) na veia!


Já publicado aqui no Física na veia! 

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."