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Física na Veia

Cobertor esquenta?

Prof. Dulcidio Braz Júnior

19/07/2017 16h05

 

Estamos em pleno inverno aqui no hemisfério sul. E a previsão do tempo avisa: a temperatura vai cair drasticamente nos próximos dias. No sul do país a temperatura ambiente já atingiu sete graus abaixo de zero na escala Celsius!

Quando esfria, nada melhor do que um aconchegante cobertor. E isso porque o cobertor esquenta, certo? E, quanto mais grosso, mais ainda ele aquece, não é verdade?

Nada disso! Dizer que cobertor esquenta é um erro físico grave! Nem cobertor, nem blusas, jaquetas e agasalhos… Nada disso esquenta pois não têm uma fonte própria de energia térmica!

Na verdade, o nosso organismo utiliza energia para nos manter constantemente aquecidos a cerca de 36ºC, temperatura típica dos mamíferos. Se o ambiente estiver mais frio do que o nosso corpo, o que é mais comum, vai nos "roubar" calor. Assim, quando a temperatura ambiente está baixa, o fluxo de calor do nosso corpo para o ambiente fica mais intenso e começamos a ter a desagradável sensação de frio, um alerta natural do nosso sistema nervoso para buscarmos proteção térmica.

Para evitarmos perda excessiva de calor para o ambiente, vestimos um agasalho de tecido mais grosso ou entramos debaixo de um cobertor. A parede de tecido fará o papel de isolante térmico, tornando mais lenta a perda de calor para o ambiente, diminuindo a sensação de frio, e provocando a falsa ideia de que foi o cobertor (ou o agasalho) que nos aqueceu. Mas a verdade é que fomos nós mesmos que nos esquentamos a partir do nosso próprio metabolismo típico dos mamíferos.

Logo, cobertor não esquenta. Coberto só produz isolamento térmico.

Vamos aprofundar o tema? Confira abaixo.

 

Um modelo para a condução de calor

Para entender melhor como tudo isso funciona, usaremos o modelo físico do francês Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830) para a condução de calor através de uma parede de espessura L e área de secção transversal A.

Parede de espessura L e área A sendo atravessada por uma quantidade de calor Q

As temperaturas em ambos os lados da parede de espessura L e área de secção transversal A são θ1 e θ2, supostas constantes pelo modelo, e com θ> θ2. Logo, haverá passagem de uma quantidade Q de calor (por condução) a cada intervalo de tempo Δt através da parede, sempre no sentido do lado mais quente (maior temperatura, θ1) para o lado mais frio (menor temperatura, θ2). Lembre-se de que, espontaneamente, o calor sempre flui de onde a temperatura é maior para onde a temperatura é menor. E assim dizemos que haverá um fluxo de calor Φ = Q/Δt que, segundo Fourier, é dado por:

onde K, constante conhecida por coeficiente de condutibilidade térmica, depende do material de que é feita a parede. Quanto maior o valor de K, melhor condutor térmico é o material e, portanto, maior tende a ser o fluxo Φ de calor através da parede.  Ao contrário, quanto menor o valor de K, menor o fluxo Φde calor através da parede porque o material será um mau condutor de calor ou , se preferir, bom isolante térmico. Note que, na verdade, K é uma constante que regula o fluxo de calor Φ ao caracterizar quão bom condutor de calor é o material que constitui a parede.

A  partir do modelo de Fourier podemos calcular a quantidade de calor Q que passa através da parede num certo intervalo de tempo Δt pela seguinte expressão:

Imagine, por exemplo, um cobertor com espessura L =  2,5 cm, feito de um material com condutibilidade K = 0,0005 J/cm.s.ºC = 5,0.10-4 J/cm.s.ºC, sendo usado por uma pessoa que está a θ1 = 36ºC num dia em que a temperatura ambiente é θ2 = 0ºC. A quantidade de calor Q que vai escapar do corpo da pessoa por cada A = 1 m² (10000 cm² = 1.104 cm²) do cobertor em cada intervalo de tempo Δt = 1s será dada por:

Pelos cálculos acima, descobrimos que 72 J de calor (cerca de 72 / 4 = 18 calorias) atravessam cada metro quadrado do cobertor a cada segundo.

Na prática, um bom cobertor deve funcionar como um bom isolante térmico, ou seja, deve dificultar o fluxo de calor por condução. Desta forma, deve ser feito de um material de baixo coeficiente de condutibilidade K e ser suficientemente espesso, ou seja, ter um razoável valor de L. Note na expressão de Fourier que, quanto maior o valor de L, menor será  a quantidade de calor Q perdida para o ambiente. Da mesma forma, quanto menor a condutibilidade K, também menor será a quantidade de calor Q cedida para o ambiente. E, quanto menor a perda de calor para o ambiente, melhor será o isolamento térmico, produzindo sensação de maior conforto para quem está tentando se abrigar do ambiente gelado.

 

Cobertor elétrico? Aí esquenta!

O cobertor da figura acima esquenta de verdade. Mas ele é elétrico, ou seja, tem fio e plugue para ser conectado na tomada, além de um controle manual para ajustar a temperatura mais confortável para o usuário.
Ele não é apenas uma parede de material isolante térmico. É, além disso, um aquecedor elétrico pois possui resistores elétricos internos que, quando ligados à rede elétrica, uma vez percorridos por uma corrente elétrica, dissipam energia na forma de calor, o que conhecemos em Física como Efeito Joule. Nos cobertores elétricos, em alguns poucos segundos a temperatura do sistema se estabiliza atingindo o equilíbrio térmico num valor agradável para o corpo humano. Nesse caso, não é somente o metabolismo humano que estás trabalhando para manter a temperatura corpórea. Vem energia de fora do corpo, emanada pelos dos resistores elétricos na forma de calor, para ajudar no processo de conforto térmico em dias muitos frios.
Cobertores elétricos não são comuns aqui no Brasil, país tipicamente tropical onde o inverno geralmente é curto e não tão rigoroso, pelo menos na maior parte do seu território.

 

 Cobertor de Orelha

"… só quero que você me aqueça neste inverno
e que tudo mais vá pro inferno"

(Roberto Carlos)

Mamíferos emanam calor

Assim como o cobertor elétrico, o "cobertor de orelha" da imagem acima também esquenta. O cachorro, mamífero, mantém a sua temperatura corporal em torno de 36oC, valor bastante agradável para o gatinho, outro mamífero. O gatinho, também quentinho, também produz conforto térmico ao tocar no cão. É a prova de que um mamífero vivo, através do seu metabolismo, mantém a sua temperatura estável e emana radiação térmica constantemente.

 

Você entendeu?

Se você entendeu a ideia física por trás da pergunta "cobertor esquenta?", então me responda mais duas perguntinhas:

1) Se embrulharmos uma pedra de gelo num cobertor, o gelo demora mais ou menos para derreter?


Resposta (clique e arraste o mouse ou seu dedo se estiver num dispositivo móvel para ver a resposta): Se respondeu que demora mais, acertou na mosca! Se o cobertor esquentasse de fato, ou seja, tivesse uma fonte de energia operando o tempo todo, o gelo iria derreter mais rápido. Mas o cobertor vai funcionar apenas como uma parede termicamente isolante, diminuindo o fluxo de calor do ambiente (mais quente) para o gelo (menos quente), retardando o processo de fusão do gelo.

2) Por que sentimos mais fome no inverno?


Resposta (clique e arraste o mouse ou seu dedo se estiver num dispositivo móvel para ver a resposta): Nosso metabolismo, no inverno, trabalha de forma mais intensa para nos manter a 36oC. A sensação de fome é o nosso próprio organismo lembrando-nos de "recarregar as baterias", ou seja, de comermos para manter nossas reservas energéticas!

 

Mãe é mãe!

Já aconteceu, quando você está saindo de casa numa noite fria, da sua mãe dizer "Vai só com essa blusinha? Tá muito frio! Pega aquela outra blusa preta no armário que ela esquenta mais!" ? Comigo, que já passei dos cinquenta anos, acontece até hoje!

Sim, sua mãe está fisicamente errada! Muito errada! Como vimos acima, não existe blusa que esquente, nem mais, nem menos. Blusa apenas propicia isolamento térmico.

Mas não retruque. Obedeça na hora. Troque de blusa. De um beijo na mamãe e agradeça a dica antes de partir. Afinal, mãe é mãe! E, mesmo quando estão fisicamente erradas, sempre estão certas!


Já publicado no Física na Veia!

[19/07/2012]  Mão não é termômetro(*)

(*) Post publicado na plataforma antiga do blog

 

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."