Avisa Plutão que estamos chegando!
Em 19 de janeiro de 2006 a sonda New Horizons da NASA foi lançada numa missão para se encontrar com Plutão e seus satélites. Nessa época Plutão ainda era classificado como o nono planeta do Sistema Solar.
Em meados desse mesmo ano a União Astronômica Internacional aprovou uma nova classificação de objetos do Sistema Solar e Plutão foi "rebaixado" (a rigor, reclassificado) como planeta-anão. Apesar de esférico, Plutão, menor do que a nossa Lua, não tem gravidade suficiente para ser astro dominante em sua órbita solar. Para a União Astronômica internacional Plutão é somente mais um objeto do cinturão de inúmeros outros objetos que compõem uma faixa distante e repleta de pequenos astros que os cientistas chamam de Cinturão de Kuiper.
Na prática, nada mudou com a reclassificação. Consequentemente, a histórica missão continuou importante pois, Plutão, independente do que pensam os cientistas daqui da Terra, continuou sendo o que sempre foi: o mesmo astro pequeno (veja imagem acima) e distante que, nunca antes visitado por nenhuma sonda humana, era somente um anão desconhecido sobre o qual nem mesmo boas imagens tínhamos. As melhores fotos de Plutão nos revelavam somente uma bolinha sem graça. No melhor dos esforços de imaginação, não dava nem para supor como poderia ser a superfície do astro.
Mas a aproximação gradativa da New Horizons com esse mundinho nos últimos meses nos trouxe muitas informações. As imagens foram ficando cada vez mais nítidas e ricas em detalhes (confira galeria no site da missão). Veja abaixo as melhores imagens de Plutão e Caronte feitas pela New Horizons em 11/julho, já repletas de detalhes!
Ainda que via web, foi quase como estar de carona com a sonda! Uma experiência incrível para mim e qualquer pessoa que gosta de Astronomia!
Os instrumentos da sonda
Embora para os leigos as imagens inéditas e de alta resolução sejam o lado mais legal da missão, para os cientistas elas são apenas o começo da história. A New Horizons está equipada com sete instrumentos, todos desenhados com funções científicas bem específicas. Confira:
Ralph (Visible and infrared imager/spectrometer): câmera e espectrômetro capazes de prover imagens em cores capturadas na faixa visível e também em infravermelho e fazer mapas térmicos.
Alice (Ultraviolet imaging spectrometer): câmera e espectrômetro operando na faixa do ultravioleta capazes de analisar a composição e estrutura da atmosfera de Plutão além de buscar por atmosfera em Caronte e, futuramente, em possíveis outros objetos do Cinturão de Kuiper.
REX (Radio Science EXperiment): radiômetro passivo capaz de medir a composição e temperatura atmosféricas de Plutão.
LORRI (Long Range Reconnaissance Imager): câmera telescópica com a função de mapear Plutão a longa distância e obter dados geológicos.
SWAP (Solar Wind Around Pluto): espectrômetro capaz de estudar a interação do vento solar com a atmosfera de Plutão para tentar medir possível escape de gases para o espaço.
PEPSSI (Pluto Energetic Particle Spectrometer Science Investigation): outro espectrômetro para partículas energéticas capaz de analisar e medir a composição e densidade de íons que talvez escapem da atmosfera de Plutão para o espaço.
SDC (Student Dust Counter): contador de partículas de poeira que vão se encontrando a sonda durante a sua viagem pelo sistema solar (instrumento construído e operado por estudantes).
14/julho: a grande aproximação
[texto atualizado em 14/julho/2015 – 13h44min]
Viajando a cerca de um milhão de quilômetros por dia, a New Horizons fará um único voo rasante de aproximação com Plutão hoje, 14 de julho de 2015, logo mais às 8h49min (horário de Brasília). A 12500 km da superfície de Plutão, a sonda terá uma única chance para fazer as melhores imagens e medidas de toda a missão que já dura 9 anos e meio. E tudo tem que funcionar perfeitamente bem! Vou ficar torcendo!
Depois disso a sonda seguirá viagem se afastando cada vez mais do Sol e, consequentemente, da Terra, avançando para dentro do Cinturão de Kuiper.
O mais incrível é que a New Horizons é totalmente automatizada porque, quanto mais se afasta da Terra, mais difícil fica de se comunicar com os cientistas. Na distância em que se encontrará da Terra hoje, cerca de 4,8 bilhões de quilômetros, não há como operá-la em tempo real. é fácil de entender a razão. A comunicação com o centro de controle é feita através de ondas eletromagnéticas que viajam no espaço com a velocidade finita, a mesma velocidade da luz no vácuo, algo em torno de V = 300 000 km/s.
Vamos fazer uma conta rápida para saber quanto tempo Δt um sinal demora para ir da Terra para a nave (e vice-versa) percorrendo a distância ΔS = 4,8 bilhões de quilômetros. Sabemos que V = ΔS/Δt. Logo, Δt = ΔS/V. Assim:
Δt = ΔS/V = (4 800 000 000 km)/(300 000 km/s) = 16 000 s (aproximadamente)
Lembrando que cada hora tem 3600 s, então temos: Δt = 16 000 / 3 600 = 4,5 h
Pelo cálculo acima fica evidente que um comando enviado do centro de controle da Terra para a sonda levará cerca 4,5 horas para chegar ao seu destino. E, se a sonda responder, a informação levará outras 4,5 horas para voltar ao centro de controle. Inviável operar a sonda com esse "delay" gigante de 9h! Concorda? A New Horizons foi programada para fazer tudo de forma autônoma!
Se tudo correr bem, por volta das 8h49min ela estará fazendo imagens e medidas incríveis, passando bem perto de Plutão. Mas os cientistas, por conta do "delay", só saberão se tudo deu certo 4,5 horas depois (algo em torno de 13h30min). Imagina a tensão no centro de controle! Mas, pelo enorme sucesso da missão até agora, a chance de erros é mínima. Muito em breve teremos imagens e informações sensacionais sobre o mundinho distante de Plutão! Vamos aguardar!
Qual é a distância real entre Plutão e a Terra?
[texto atualizado em 14/julho/2015 – 13h44min]
Essa pergunta, a rigor, não tem resposta única. Isso porque tanto a Terra quanto Plutão orbitam o Sol. Logo, não guardam uma distância única e fixa entre si. Certo?
Usei, no cálculo acima, o valor de 4,8 bilhões de quilômetros (simulado em software para a data de hoje). E tenho visto matérias sobre a New Horizons a afirmação de que Plutão fica a 6 bilhões de quilômetros da Terra. Na verdade, esse é um valor possível (e médio) da distância Plutão-Terra. Mas pode variar para mais ou para menos. Explico a seguir.
Antes de qualquer coisa, a próxima imagem nos mostra as órbitas elípticas dos planetas e de Plutão, planeta-anão, ao redor do Sol em escala real de distâncias. Note como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte estão muito próximos do Sol quanto olhamos o Sistema Solar numa escala que contempla a órbita solar de Plutão.
Consideramos a distância média Terra-Sol como 1 UA (1 Unidade Astronômica, cerca de 149,5 milhões de quilômetros). Esse valor é médio porque a órbita da Terra ao redor do Sol não é uma circunferência perfeita e sim uma elipse. Na prática a Terra pode estar a um pouco mais ou um pouco menos de 1 UA do Sol.
Nessa mesma escala, a distância média Plutão-Sol é de 39 UA. A órbita solar de Plutão também é elíptica, mas muito mais excêntrica (ou ovalada) que a órbita solar da Terra. Assim, a distância Plutão-Sol pode variar entre 29 UA e 49 UA, sendo de 39 UA (quase 6 bilhões de quilômetros) o seu valor médio. Curiosamente, por conta dessa grande variação de distância Plutão-Sol, Netuno pode ficar temporariamente mais distante do Sol do que o próprio Plutão (confira nesse post).
Para facilitar a visualização simultânea das órbitas da Terra e de Plutão ao redor do Sol numa única imagem, de propósito, vou trabalhar fora de escala. E as órbitas, propositalmente, foram aproximadas para circunferências. Combinado?
Temos duas situações possíveis:
Situação I) Terra e Plutão em lados opostos do Sol
Note que, nesse caso, a Terra fica mais distante de Plutão. Para encontrar a distância Terra-Plutão temos que somar as distância Terra-Sol e Plutão-Sol. E ambas são variáveis no tempo, o que complica bastante o cálculo da distância final Terra-Plutão.
Situação II) Terra e Plutão do mesmo lado do Sol
A situação agora é diferente. Note que nessa outra configuração a Terra fica mais próxima de Plutão. Para encontrar a distância Terra-Plutão temos que subtrair a distância Terra-Sol da distância Plutão-Sol. E, como já afirmei acima, para cada data, teremos um valor diferente.
Não vou arriscar fazer nenhuma conta aqui até porque isso não é tão simples. Teríamos que levar em consideração s excentricidades das órbitas da Terra e de Plutão ao redor do Sol. E ainda considerar que essas órbitas não são coplanares.
Nesse caso é mais fácil simular no computador. O valor da distância Terra-Plutão hoje, 14/julho, é da ordem de 4,8 bilhões de quilômetros (valor que usei acima para estimar o "delay" na comunicação entre a sonda e o centro de controle).
Hoje, no voo rasante da New Horizons em Plutão, Terra e Plutão estarão no mesmo lado do Sol (veja imagem acima que simula as posições no Sistema Solar para 8/julho, data muito próxima de 14/julho). Estaremos a 4,8 bilhões de quilômetros de distância ou quase 9 horas de comunicação com a New Horizons!
Fique atento: se disserem na TV, em jornais ou aqui na web que distância Terra-Plutão é sempre de 6 bilhões de quilômetros, isso está errado! Ela não é de 6 bilhões de quilômetros sempre. Hoje , por exemplo, ela está em cerca de 4,8 bilhões de quilômetros. Mas pode variar para mais ou para menos, dependendo da data. Certo?
Atualização [14/julho/2015 – 13h44min]
A foto acima foi publicada hoje pela NASA e mostra uma das últimas imagens feitas pela New Horizons antes do mergulho para o voo rasante em aproximação máxima com a superfície de Plutão.
Para saber mais
- Vídeos da série "Plutão em 1 minuto" (em inglês, NASA vídeos)
Já publicado no Física na Veia!
- [25/08/2006] "Causa mortis" de Plutão
- [24/08/2006] Plutão, a ovelha negra da família
- [24/08/2006] Centro de Massa III
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