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Física na Veia

Nem sempre dois mais dois são quatro

Prof. Dulcidio Braz Júnior

31/03/2015 06h05

2mais2

 

Nem sempre vale a conhecida máxima que afirma que "dois mais dois são quatro". E não estou falando de erro de aritmética básica!

Tudo vai depender se estamos fazendo uma soma escalar ou uma soma vetorial.

Ficou confuso? Então confira todos os detalhes explicados logo abaixo, com exemplos. E vai entender o "espírito da coisa".

 

Grandezas Escalares X Grandezas Vetoriais

Tudo o que medimos em Física chamamos de grandeza. E há duas famílias de grandezas físicas:

1. As grandezas escalares;

2. As grandezas vetoriais.

 

1. Grandezas Escalares

Grandezas escalares são aquelas que ficam definidas somente com a declaração do seu valor (número positivo ou negativo) seguido de uma unidade de medida.

Se dizemos, por exemplo, que um corpo tem 2 kg, estamos nos referindo à grandeza escalar massa de valor (número) 2 na unidade kg (quilograma). E entendemos perfeitamente bem o significado de 2 kg sem a necessidade de nenhuma outra informação complementar. Logo, massa é uma grandeza escalar.

def_Grandeza_Escalar

 

Soma Escalar

Se temos dois corpos, cada um de massa de 2 kg, com uma balança podemos medir  a massa de cada um isoladamente.

Balanca_2kg

 

Se colocarmos os dois corpos ao mesmo tempo sobre o prato da balança, ela indicará a soma das duas massas, ou seja, 2 kg + 2 kg = 4 kg. Nesse casos vale  "dois mais dois são quatro"! E isso porque estamos somando grandezas escalares.

Balanca_4kg

2. Grandezas Vetoriais

Seu digo que um objeto foi empurrado com uma força de 2 N onde 2 é o valor (número) e N (newton) é a unidade de medida, alguém ainda poderia perguntar: "_ A força é horizontal ou vertical? Ou é inclinada?". Percebe que agora, com a grandeza força, somente o número mais a unidade não dão conta de descrever a grandeza em toda a sua plenitude? A informação que está faltando chama-se direção e tem caráter espacial. O número mais a unidade chamaremos de de intensidade (ou módulo).

Se eu responder que a força de 2 N foi horizontal, ainda assim pode ser feita uma segunda pergunta para melhor entender como foi a força: "_ Força foi horizontal para a direita ou para a esquerda?". É que toda direção tem dois possíveis sentidos opostos, no caso para a direita (um sentido) ou para esquerda (outro sentido, oposto).

A grandeza força é vetorial porque, para ser plenamente definida, necessita do número mais a unidade que chamamos intensidade (ou módulo)e ainda da direção e do sentido que conferem à grandeza uma interpretação espacial.

def_Grandeza_Vetoria

 

Como uma grandeza vetorial tem caráter espacial, devemos representá-la por uma entidade geométrica que evidencie essa peculiaridade geométrica. Usamos para isso uma seta chamada de vetor e na qual podemos "ver" o valor da grandeza (intensidade ou módulo) bem como a direção e o sentido (esses dois últimos diretamente ligados ao caráter espacial). Confira logo abaixo o que é um vetor e suas três características.

def_Vetor

Quando olhamos para um vetor, o seu tamanho (ou comprimento) representa o valor da grandeza vetorial, dado por um número (positivo) mais uma unidade de medida, o que chamamos de intensidade (ou módulo). A linha imaginária que contém o vetor é a sua direção. E "para onde a seta aponta" é o seu sentido.

Uma força de 2 N horizontal e para a esquerda poderia ser representada por um vetor, como na imagem abaixo. Uma outra força, de mesma intensidade (2 N) e mesma direção (horizontal) porém com sentido oposto (para a direita) também pode ser representada por um vetor. Nesse caso, os dois vetores de mesma intensidade e direção mas sentidos opostos são denominados de vetores opostos. O sinal negativo colocado num deles é apenas para caracterizar que são vetores opostos.

Vetores_opostos

Soma Vetorial

Agora que você já entendeu a diferença entre grandeza escalar e grandeza vetorial, lanço para você a seguinte questão: se duas forças de mesma intensidade (2 N) atuarem sobre um mesmo corpo, ao mesmo tempo, quanto vai valer a soma das duas? Podemos fazer "dois mais dois são quatro"? Pense bem!

Para fazer  a soma das duas forças (duas grandezas vetoriais) temos que, antes de tudo, estudar quais são as direções e sentidos das duas forças. E aí teremos alguns casos interessantes. Num deles (e somente num) faremos "dois mais dois são quatro". Nos outros todos não. É que para fazer soma vetorial não podemos considerar apenas o número mais a unidade (a intensidade ou módulo) mas também a direção e o sentido do vetor. A soma vetorial é uma adição geométrica e não simplesmente uma adição aritmética. Acompanhe os detalhes a seguir, em vários casos interessantes e esclarecedores.

Caso 1: Duas forças horizontais, para a direita, cada uma valendo 2 N

Soma_Vetorial_caso1

Abaixo podemos ver a soma vetorial (ou geométrica) das duas forças de mesma direção e mesmo sentido.

 

Soma_Vetorial_caso1_calculo

 

 

Note que nesse caso temos que "dois mais dois são quatro". Mas é só nesse caso! Não está convencido? Veja alguns outros possíveis casos a seguir.

 

Caso 2: Duas forças horizontais, uma para a direita e outra para a esquerda, cada uma valendo 2 N

Soma_Vetorial_caso2

 

E agora, com fica a soma vetorial (ou geométrica) das duas forças opostas? Confira na imagem abaixo.

Soma_Vetorial_caso2_calculo

É interessante notar que nesse caso a soma vetorial cai numa subtração escalar. Isso porque, fisicamente, as duas forças, em sentidos opostos, "competem" entre si. Uma força empurra (ou puxa) para a esquerda enquanto a outra faz o oposto. De certa forma, uma "atrapalha" a outra. Como são de mesma intensidade, acabam se anulando. Note que, nesse caso, o vetor nulo se reduz a apenas um ponto, sem direção nem sentido. O vetor nulo é o único vetor que não tem comprimento, nem direção, nem sentido!

Nesse caso "dois mais dois dá zero" e não vale mais a máxima de que "dois mais dois são quatro". Percebeu a diferença entre somar escalares e somar vetores?

Veja a seguir um outro caso, agora um pouco mais sofisticado.

Caso 3: Duas forças perpendiculares, cada uma valendo 2 N

Soma_Vetorial_caso3

Dá para imaginar como deve ser feita a soma vetorial agora que as duas forças não estão mais na mesma linha, ou seja, na mesma direção? A ideia continua sendo a mesma: emendamos um vetor no outro. E, com o vetor soma, teremos um triângulo retângulo. Cada força F é um cateto de um triângulo retângulo no qual podemos aplicar o Teorema de Pitágoras que afirma que "a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa". A imagem abaixo ajuda a visualizar e entender o processo geométrico.

Soma_Vetorial_caso3_calculo

 

Observações:

I) A soma vetorial de forças é conhecida na Física como força resultante ou simplesmente resultante.

II) Revise com atenção os três casos anteriores e vai concluir que no primeiro, quando o ângulo entre as forças é 0°, a resultante é máxima. E no segundo, quando o ângulo entre os vetores é 180°, a resultante é mínima. O caso três, para um ângulo de 90°, maior do que 0° e menor do que 180°, dá como resultado uma soma vetorial de intensidade intermediária. A figura abaixo resume a ideia.

Soma_Vetorial_casos123_min_max

 

Generalizando: dadas duas forças A e B (ou dois vetores quaisquer):

I) A soma mínima terá intensidade |A – B|;

II) A soma máxima vai ter intensidade |A+B|.

No nosso caso, A = B = 2 N. Logo, o valor mínimo é 2 – 2 = 0 N e o máximo 2 + 2 = 4. Concluímos que a intensidade da força resultante poderá ter qualquer valor entre 0N e 4N. E o valor 2,82 N, correspondente à situação em que as forças são perpendiculares, é maior do que 0N e menor do que 4N, ou seja, está no intervalo esperado.

E com esse raciocínio volto à frase do início do post: nem sempre vale a conhecida máxima que afirma que "dois mais dois são quatro". Se for "dois mais dois" para uma soma escalar podemos dizer sem medo de errar que "dois mais dois são quatro" sempre. No entanto, se for uma soma vetorial, devemos dizer que "dois mais dois pode dar qualquer valor entre zero e quatro".

Entendeu?

 

Esticando a conversa

Nessa altura do raciocínio certamente você já entendeu e aceitou que 2 + 2″ VETORIAL pode dar qualquer coisa entre 0 e 4? Certo?

Então há de concordar que 2 + 2 VETORIAL pode dar exatamente 2 pois o número 2 se encontra no intervalo que vai de 0 a 4. Não é mesmo?

Mas é muito estranho somar duas coisas iguais e a soma dar igual a cada uma delas! Concorda? Num primeiro momento, e para quem nunca pensa em vetores, é muito estranho. Mas, se pensar bem e lembrar que a soma vetorial é geométrica, a lógica é outra. E deve haver um ângulo entre os vetores para que a soma de 2N com 2N continue dando 2N.

Você tem ideia de que ângulo seria esse? Não é 0° nem 90° nem 180°, valores relativos aos três casos que estudamos logo acima. Veja o cálculo logo abaixo noutra situação que estou chamando de caso 4. E vai descobrir que ângulo é esse em que 2N mais 2N continua dando 2N!

 

Caso 4: Duas forças de mesma intensidade (cada uma valendo 2 N) e que formam 120°

Para facilitar o cálculo, vou dividir o ângulo de 120° em dois de 60°. Note que, emendando um vetor no outro, encontramos um triângulo equilátero. Como dois dos lados desse triângulo valem 2N, o terceiro lado também deve valer 2N. E nesse caso, "dois mais dois são dois"! Confira na figura a seguir.

Soma_Vetorial_caso4_calculo

 

Existe uma expressão matemática que generaliza a soma vetorial para qualquer ângulo α entre dois vetores. Veja abaixo.

Soma_Vetorial_caso-geral

No caso em que cada força mede 2N e o ângulo mede α = 120° temos:

Soma_Vetorial_caso-geral_eq

E confirmamos que "dois mais dois" pode continuar dando dois, desde que a soma seja vetorial.

Entendeu?

Gostou?

Deixe o seu comentário. E da próxima vez em que pensar "dois mais dois são quatro" cuide de diferenciar soma escalar de soma vetorial. Combinado?

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."