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Física na Veia

Astrofotografia planetária: primeiros passos

Prof. Dulcidio Braz Júnior

07/07/2017 07h07

Skywatcher Star Discovery 150 mm, meu "brinquedinho" novo

 

Acabo de realizar um sonho: comprei um telescópio! Faz dois meses. Mas no primeiro mês só choveu! É "maldição do telescópio novo", bem conhecida entre os astrônomos amadores. Agora em julho, durante as férias escolares, apesar do frio, quero aproveitar para observar/registrar o céu o máximo que eu puder.

Adquiri um Skywatcher Star Discovery, refletor newtoniano de 150 mm de abertura e 750 mm distância focal. Ele já vem de fábrica com motorização¹ para compensar o movimento de rotação da Terra, permitindo fazer acompanhamento (ou tracking) do astro observado que assim permanece por um longo período sempre dentro do campo de visão do equipamento. E também tem GoTo,  sistema que permite apontar o telescópio automaticamente para qualquer objeto celeste nele já catalogado de fábrica, no hand control (Synscan 4), ou registrado manualmente pelo usuário.

Mas não tem mágica. Nem moleza! No início das observações é necessário realizar o alinhamento, processo manual e meticuloso que "ensina" para o telescópio exatamente onde ele está, ou seja, passa para ele as coordenadas geográficas do local (latitude/longitude) bem como a altitude. Também é preciso informar para o equipamento a data, o horário mais exato possível e para onde fica o norte verdadeiro. Depois disso, para confirmar a sua localização no tempo e no espaço, o equipamento pede para "ver" no céu dois astros conhecidos. Quem está operando a máquina deve apontar o telescópio manual e exatamente para os dois astros, em geral duas estrelas que o próprio software do telescópio sugere. A partir daí o telescópio "sabe" onde está e que dia e horas são. E, como pode calcular e prever as posições dos astros do céu local em tempo real, passa a ajudar na localização de qualquer objeto celeste visível bem como no acompanhamento do mesmo.

O equipamento também pode ser controlado pelo computador usando softwares capazes de simular o céu e que trabalhem com plugin que permita a conexão (por cabo ou sem fio) com o telescópio. Estou usando o Stellarium, opensource e freeware.

Detalhes do equipamento

Adquiri o equipamento com dois propósitos: 1- turbinar os meus cursos de astronomia, que agora também poderão contar com sessões de observação, e 2- aprofundar meu conhecimento e técnica em astrofotografia.

Aqui no blog, por diversas vezes, publiquei fotos de astros feitas por mim. Mas sempre sem telescópio, usando apenas uma câmera digital "normal" com recurso de zoom óptico alto e controle de parâmetros típicos de qualquer equipamento semiprofissional e relativamente barato. Veja neste post, e também neste outro, exemplos do que estou dizendo. Lá embaixo, no rodapé, em Já publicado no Física na Veia!, apresento outros links para posts com mais astrofotografias feitas apenas com câmera digital.

Agora, com telescópio, astrofotografia é outro papo. Até dominar melhor a técnica e saber bem onde e como devo investir mais dinheiro, em vez de uma câmera digital dedicada à astrofotografia, equipamento que pode começar custando R$ 1.500 e ultrapassar fácil a casa dos R$ 10.000,  estou me divertindo com uma webcam Logitech C270 de R$ 100, modelo bastante conhecido entre os astrofotógrafos amadores pela excelente relação custo-benefício. Acima dela, só as tais câmeras dedicadas que, mesmo no mercado de usados, não custam menos do que R$ 1000.

A "gambiarra" consiste em retirar a lente da webcam, expondo o sensor digital da mesma. E adaptar nela um tubo que se encaixe no focalizador do telescópio, sem a ocular. O focalizador do meu telescópio segue o padrão 1,25 polegadas. Uma luva de PVC, de poucos reais, e que tem exatamente 1,25 polegadas, serve (sem querer fazer trocadilho) como uma luva! Confira o resultado na imagem abaixo.

Webcam adaptada. No detalhe, o sensor (sem lente) centralizado na luva de PVC

Neste tipo de adaptação, o espelho primário do telescópio (côncavo, parabólico) vai coletar a luz do astro observado para produzir uma imagem real e bem luminosa que, portanto, pode ser projetada² diretamente sobre o sensor da câmera. É possível, para capturar uma imagem mais ampliada, acoplar no focalizador uma lente chamada Barlow e sobre ela a webcam. A Barlow, em geral, tem um determinado fator de ampliação. A que possuo é uma Barlow 2x que, portanto, dobra o aumento da imagem obtida pela câmera. Existem no mercado Barlows de maior fator de aumento. Mas há sempre que se tomar cuidado com o limite de aumento do equipamento. De nada adianta uma barlow 5x se a óptica do telescópio não dá conta do recado e você obtém uma imagem bastante ampliada mas sem nitidez alguma.

Usando um software de captura, no meu caso o SharpCap (versão gratuita para uso não comercial), dá para controlar a webcam (ou câmera dedicada) e gravar pequenos videos dos astros. Um vídeo nada mais é do que uma sucessão de frames, ou seja, uma sequência de fotos separadas. Se o vídeo foi feito com taxa de 30 frames/s, por exemplo, então a cada segundo teremos 30 frames (ou 30 fotos) registradas. Assim, se gravamos 100 segundos, teremos 3000 frames ou fotos individuais do astro.

Com outro software específico, é possível analisar e escolher de forma automática os melhores frames, descartando as imagens defeituosas e preservando apenas as mais nítidas que, obviamente, são as que mais nos interessam.  Em seguida, o próprio software faz o empilhamento, ou seja, processo que gera a sobreposição perfeitamente alinhada dos melhores frames escolhidos. O resultado final é uma imagem equivalente à longa exposição, rica em detalhes que, mesmo olhando ao vivo na ocular do telescópio, não conseguimos captar com os olhos. Para empilhamento estou usando o AutoStakkert, gratuito, e o mais recomendado pelos astrofotógrafos amadores para este processo importantíssimo para o registro de planetas e também da lua.

AutoStakkert em ação, empilhando imagens de Saturno

Por fim, para fazer o processo de finalização da imagem e que consiste, dentre outras coisas, aplicar a deconvolução, importante algoritmo que recupera detalhes reais de uma imagem a partir de uma foto "borrada", estou usando o Registax. Ele também é gratuito e, apesar de também fazer o empilhamento, acabou perdendo espaço para o AutoStakkert que, segundo os astrofotógrafos amadores mais experientes, tem se mostrado mais eficiente nesta etapa inicial do pós processamento das imagens. Mas o AutoStakkert não trabalha com deconvolução, etapa que o Registax chama de wavelets. Desta forma, os dois softwares acabaram ficando interdependentes e, na prática, juntos formam uma dupla muito eficiente!

Registax em ação, na finalização de uma imagem de Saturno

Confira abaixo os meus primeiros registros de Júpiter e Saturno usando telescópio com webcam e técnicas de pós processamento via software.

Júpiter e Saturno, registrados separadamente, e montados numa única imagem

No caso de Júpiter e Saturno, por pura inexperiência, não consegui ampliação maior dos planetas. A ampliação poderia entregar para os softwares de empilhamento e finalização mais detalhes dos astros, o que certamente resultaria em imagens muito mais ricas em detalhes. Mas era apenas a segunda vez que eu tentava capturar imagens com a webcam acoplada ao telescópio. Sem as manhas necessárias, quando tentei dobrar o aumento usando a lente Barlow, não consegui ver nada nada tela do notebook.

Amigos astrofotógrafos mais experientes já apontaram possíveis erros e respectivas soluções. Nas próximas capturas, seguindo as dicas, vou tentar acertar na técnica, driblando as dificuldades, visando melhorar a qualidade e ampliação das imagens registradas em vídeo, o que imagino terá reflexo significativo na qualidade final das imagens planetárias. Aguarde!

Mas fica aqui o primeiro registro de astrofotografia planetária de minha vida, válido muito mais pela importância histórica do que pela qualidade ainda baixa perto do que é possível conseguir!

Com a mesma técnica de captura e pós processamento, também fiz registros da lua, nosso satélite natural.

Tratando imagem da Lua com o Registax

Ainda levando uma surra da técnica, coisa típica de principiante, publico abaixo o meu melhor resultado lunar.

Meu primeiro registro lunar

A partir de agora, astrofotografia será assunto ainda mais presente no blog! Se você gosta do assunto e quer saber mais, fique ligado! Se tiver experiência e quiser contribuir com os posts, deixe seus comentários. Será um prazer!

Quero aproveitar o blog e sua audiência para documentar em tempo real a minha curva de aprendizado pessoal. A ideia é ir passando para os leitores do blog interessados em astrofotografia todos os macetes desta área que, embora amadora, evoluiu muito nos últimos anos. Hoje, com pouco investimento mas muita dedicação e softwares dedicados, dá para fazer imagens que antes somente grandes telescópios conseguiam.

No próximo post, em breve, darei uma dica de livro imperdível para quem quer iniciar em astrofotografia. Aguarde!

Encerro o texto agradecendo ao Nei Martins (de Matão, interior de São Paulo) que me vendeu o telescópio e, de brinde , me deu a webcam já adaptada. Comprei um telescópio, ganhei uma câmera e um amigo que também me deu as primeiras dicas de software para astrofotografia! Valeu Nei!


1- O Skywatcher Star Discovery tem montagem altazimutal, configuração que se presta bem para astrofotografia leve, ou seja, da lua e de planetas. Para objetos de céu profundo, como nebulosas e galáxias, a montagem  mais indicada é a equatorial capaz de fazer um acompanhamento bem mais preciso.
2-Lembra da Óptica Geométrica do ensino médio? Somente imagens reais, ou seja, obtidas pelo cruzamento de raios de luz de verdade, podem ser projetadas. Imagens virtuais, obtidas pelo cruzamento de prolongamentos de raios, sem luz de verdade, por razões óbvias, não podem ser projetadas.

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Já publicado no Física na Veia!

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Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."