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Física na Veia

Reforma do Ensino Médio: parecer oficial da SBF

Prof. Dulcidio Braz Júnior

07/10/2016 18h42

Einstein_MP746

 

Até agora não me manifestei oficialmente aqui no blog sobre a MP 746/2016 — medida provisória do governo federal de 22 de setembro de 2016 e que propõe reforma no ensino médio.

Além do pouco tempo que tenho tido para blogar, fiquei profundamente triste e abatido com a proposta. E fui tomado pela sensação de impotência diante da (quase) certeza de que mais uma vez vão passar uma rasteira na educação. Que coisa!

Com quase trinta anos de sala de aula, como autor de material didático desde os anos 90, como divulgador científico há mais de uma década, já bastante enraizado profissionalmente com a educação¹, não consigo entender como possam ser ignoradas as medidas tão óbvias que cedem lugar àquilo que me parece tão somente uma tentativa burocrática, de gabinete, para reinventar a roda que já começa a dar sinais de que vai acabar ficando quadrada!

Vou respirar mais um pouco. Oxigenar o meu cérebro. E me acalmar. Desentristecer. Adiante prometo publicar minha contribuição pessoal para as discussões prévias que deveriam nortear a tão necessária e importante reforma do Ensino Médio que, de cara, jamais poderia vir numa mera canetada "emergencial" que mais tem jeitão de tentativa vazia de mostrar serviço!

Mas reproduzo abaixo o parecer oficial da SBF – Sociedade Brasileira de Física sobre o tema publicado ontem no site da instituição. Vale a pena pela importantíssima reflexão.

Se você se preocupa com a educação, por gentileza, divulgue esse post! E deixe o seu comentário sobre o tema, especialmente se você é professor ou algum profissional diretamente ligado à área da educação.


NOTA PÚBLICA DA SBF SOBRE A MEDIDA PROVISÓRIA DO ENSINO MÉDIO (MP 746/2016)

Acontece na SBF, semana de 06 de outubro de 2016

A Sociedade Brasileira de Física vem a público manifestar preocupação quanto à Reforma do Ensino Médio por meio de Medida Provisória encaminhada ao Congresso Nacional. Reconhecemos a necessidade e urgência de reforma. Entretanto, por também reconhecer a complexidade do tema e a necessidade de construir, por meio de debate público qualificado, elementos para a sustentação de mudanças efetivas e eficazes, entendemos que tal questão não deve ser apreciada em caráter de Medida Provisória.

Consideramos que aspectos da MP 746 atentam contra os objetivos preconizados, quais sejam, a ampliação do tempo de escolarização e a necessidade de se pensar um Ensino Médio que seja atraente, flexível e atenda aos interesses e demandas de formação dos estudantes.

Dentre eles, destacamos:

  1. A MP estabelece como condição para exercício da docência "trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim" e, para a parte técnica do currículo, outros profissionais, que, mesmo sem ter a qualificação profissional requerida, "detenham notório saber". Assim, em lugar de indicar ações efetivas para formação de professores e estímulo à entrada e permanência na carreira, a MP apenas legitima  a precarização hoje existente  – segundo o censo de 2015, quase 40% dos professores em exercício não tem formação adequada para as disciplinas que lecionam. No caso da Física, esse número é de 68,7%. A SBF reafirma a necessidade de fortalecer a formação de professores com cursos de licenciaturas específicas nas áreas de conhecimento e condições de trabalho e carreira que tornem a profissão atraente.
  1. A MP reduz o componente de formação geral, destinada aos conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), das atuais 2400 horas para  1200 horas. Ou seja, a formação geral, cultural e científica dos estudantes é reduzida pela metade e não ampliada, como se anuncia. O tempo restante se volta para uma preparação para o  mercado de trabalho, sem qualquer alusão a outro princípio educativo. Não há espaço, no novo Ensino Médio anunciado, para formação ética, estética e científica dos estudantes. A ampliação referida pela MP é da carga horária anual mínima fomentando a implementação das Escolas de Ensino Médio em tempo integral.
  1. A proposta não estabelece a obrigatoriedade de oferta dos componentes curriculares em todas as escolas ou sequer de todas as áreas de conhecimento. A flexibilização pretendida não pode privar os estudantes do acesso ao conhecimento, como na prática poderá ocorrer com o Novo Ensino Médio anunciado.  A proposta estabelece como única obrigatoriedade da escola a oferta de Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Assim, escolas poderão simplesmente abolir a oferta de componentes como Física, Química, Sociologia, Filosofia, História, Artes, Educação Física, Biologia…  A gravidade desse fato dispensa maiores comentários.
  1. A MP não menciona aspectos fundamentais para um projeto de reforma do Ensino Médio tais como:
    a)  Ações e diretrizes para formação de professores e valorização da carreira docente.
    b)  Condições materiais e organizacionais para que as escolas possam oferecer, com qualidade, currículos amplos e diversificados;
    c) Indicações sobre a oferta de Ensino Médio noturno (30% das matrículas atuais);
    d) Indicação de diretrizes para projetos de escola integrada ou de tempo integral ou indicação de legislação complementar a este respeito. O projeto parece desconhecer as avaliações de políticas públicas e projetos em andamento em vários estados e munícipios brasileiros.
  1. A MP menciona a BNCC que, entretanto, não está ainda regulamentada. Os princípios da BNCC,  que constam no texto aprovado após consulta pública,  não estão sendo considerados. Do mesmo modo, a  extensão de conhecimentos propostos na BNCC são incompatíveis com as 1200 horas anunciadas.

Por esta razão, a SBF vem a público se manifestar contra a forma e os termos com que foi apresentada a Reforma e recomenda a retomada, em caráter de urgência, das discussões sobre um Projeto de Lei de Reforma do Ensino Médio brasileiro, com amplo debate com a sociedade e qualificada participação de especialistas e entidades científicas.


1-Não me entenda mal! Não me coloco (de forma arrogante) como dono da verdade! Mas apenas como alguém que respira educação há algumas décadas e, tentando acertar, sempre, conhece o problema (e algumas soluções) bem de perto. Certo?

 

Para saber mais

Matérias do UOL Educação

 

Sobre o autor

Dulcidio Braz Jr é físico pelo IFGW/Unicamp onde atuou como estudante e pesquisador no DEQ – Departamento de Eletrônica Quântica no final dos anos 80. Mas foi só começar a lecionar física para perceber que seu caminho era o da educação. Atualmente, além de professor, é autor de material didático pelo Sistema Anglo de Ensino / Somos Educação e pela Editora Companhia da Escola. É pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. E faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor/aluno em tempo integral pois, enquanto ensina, também aprende.

Sobre o blog

"O Física na Veia! nasceu em 2004 para provar que a física não é um “bicho papão”. Muita gente adora física. Só que ainda não sabe disso porque trocou o conteúdo pelo medo. Se começar a entender, vai gostar. E concordar: a Física é pop! Pelo seu trabalho de divulgação científica, especialmente em física e astronomia, sempre tentando deixar assuntos árduos mais leves sem jamais perder o rigor conceitual, o Física na Veia! foi eleito por um júri internacional como o melhor weblog do mundo em língua portuguesa 2009/2010 pelo The BOBs – The Best of Blogs da alemã Deutsche Welle."